terça-feira, 27 de abril de 2010

Eleição, neoprofetas e bola de cristal: o jogo de faz de conta das adivinhações eleitorais

“Máquinas voadoras mais pesadas que o ar são impossíveis”; previsão do Lord Kelvin, em 1895; em 23 de outubro de 1906, o 14 Bis, de Santos Dumont, pesando 160 quilos, saiu do chão e voou por 60 metros. “Um foguete nunca terá a capacidade de sair da atmosfera terrestre”; notícia do New York Times, em 1936; em 3 de novembro de 1957, os russos surpreenderam o mundo ao colocar no espaço a cadela Laika, a bordo da nave espacial, impulsionada por foguetes, Sputnik II. “Fernando Collor fará um excelente governo. Terá pulso e vai fazer valer sua autoridade”; leitura de futurologia feita por Mãe Dinah, vidente, perto das eleições de 1989; eleito, Collor sofreu Impeachment, em 29 de setembro de 1992, sendo afastado por denúncias de corrupção e lavagem de dinheiro esquematizada pelo seu famoso tesoureiro de campanha (e larápio de carteirinha) PC Farias. “O candidato Geraldo Alckmin ganha as eleições de 2006 para presidente do Brasil. Alckmin será o melhor presidente dos últimos tempos”, profetiza o vidente Jucelino Nóbrega da Luz, naquele ano. Como todos sabem, Lula venceu o tucano no 2º turno, com 61% dos votos válidos, e se reelegeu presidente.

Enfim, essas são apenas algumas das previsões da história que falharam feio, feitas por alguns ilustres senhores ou senhoras que se valeram não se sabe de que poderes sobrenaturais para, efetivamente, colocarem suas palavras como uma antecipação divina do tempo, propondo como verdade o que fabricaram a partir de elucubrações e visões pessoais.

Premonição, profecia, clarividência, adivinhação ou seja lá o nome que se queira dar, para mim, tentar antecipar o futuro é o mesmo que tentar responder quem venho primeiro, se o ovo ou a galinha.

Dos profetas dos tempos babilônicos, passando por Nostradamus, aos gurus e videntes do nosso século, são inúmeros os que disseram ou dizem prever o futuro, ou que possuem dotes apurados para avaliar o presente e apontar o destino de ilustres cidadãos ou mesmo da humanidade como um todo. 99% erraram feio, assim como é fato que muitos videntes e profetas acabaram famosos por acertar 1% das previsões que fizeram... É que ainda há muito ingênuo neste mundo.

Mas o fato é que os neoprofetas estão ocupando lugares cada vez mais destacados na nossa sociedade pós-moderna. Os tempos são outros, e se pode encontrá-los agora fazendo previsões futuristas por encomenda pela internet, ou mesmo encontrar essa gente pelo catálogo telefônico ou nos classificados dos jornais.

Mas, muito mais espantoso, é saber que muitos desses neoprofetas abraçaram a política e hoje estão também nos noticiários, debulhando suas mágicas deduções nas páginas dos jornais e revistas, vendendo seus pretensos dotes visionários na TV, ou destilando suas incensadas previsões em blogs e sítios na internet. Eles evoluíram. Estão por aí, é só acompanhar com atenção.

Nesses espaços, dia após dia, é possível observar a bola de cristal dessa gente funcionando a todo vapor. Travestidos de jornalistas ou analistas políticos, os vestais da adivinhação deitam suas bacias com água e se põem a trabalhar na construção das suas quadras e centúrias que revelam, para os incautos telespectadores e leitores, os “previsíveis” resultados eleitorais deste ano. Coisa de quem mexe mesmo com os deuses ou troca uma bola com os espíritos. Só pode ser.

Porque, antecipar algo que só vai acontecer em 3 de outubro é coisa do outro mundo, algo sobrenatural, do mais profundo ocultismo. Sem qualquer base científica ou de pesquisas de opinião (que são passíveis de erros, manipulação e interpretações diversas, como já coloquei no post anterior), lá estão eles, os profetas-especialistas travestidos de jornalistas, a se recobrirem de uma áurea mística – que mataria de inveja a própria Mãe Dinah – que busca dar cores de credulidade às suas revelações desbotadas.

As afirmativas dessa gente desafiam qualquer lógica terrena. Inteligentes e astutos, não têm sequer o pudor do enigmático Michel de Nostradamus, que escrevia suas previsões de forma cifrada, dando interpretações mil a elas, até para não se comprometer muito. Os neoprofetas da política escancaram suas previsões de forma espantosamente clara. “Esse se elege; aquele, não... Fulano vai se reeleger facilmente; Sicrano, só com muito sal grosso, arruda e reza braba”. E por aí vai.

Da forma que jogam seus búzios na imprensa, é melhor abolirmos as campanhas eleitorais e seus gastos astronômicos; aliás, melhor até mesmo eliminarem as eleições, porque os tais mestres da adivinhação apontam os eleitos e os derrotados com quase precisão cirúrgica. Por pouco não apontam o número de votos de cada um.

No entanto, andam esquecendo-se de consultar o personagem mais importante dessa história toda: sua excelência, o eleitor. E se formos despejar aqui as inúmeras e históricas ratadas dadas por pretensos analistas políticos e iluminados jornalistas que ousaram prever resultados eleitorais, o óbvio ficará muito mais que ululante: urna é igual a futebol (na visão do célebre frasista popular Neném Prancha): uma eterna caixinha de surpresas. Em síntese, o amanhã, deste ontem e sempre, será uma insuperável incógnita para o ser humano, tão superlativamente imprevisível e enigmático quanto acreditar que há vida após a morte.

Confesso que estou guardando muitas dessas “premonições eleitorais” de 2010 para depois de 3 de outubro produzir um outro artigo, analisando essas clarividências e o grau de erro ou acerto dessa gente. Vai ser bem divertido.

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Há pesquisas e pesquisas... interpretações e interpretações

Começa a temporada de pesquisas de opinião pública, com safras cada vez mais rotineiras. O eleitor, cada vez mais, será consultado antecipadamente à consulta principal, na urna, que só acontece daqui a alguns meses. Até o primeiro turno das eleições, em 3 de outubro, muita água vai rolar por debaixo da ponte.

Mas há pesquisas e pesquisas, e suas interpretações, uma caixinha de variadas fórmulas. A questão não são os números que apontam, para candidato A, B ou C, as preferências do eleitorado naquele determinado espaço de tempo, mas as interpretações que “especialistas” dos mais variados naipes dão a eles. Mesmo que os frios números não digam o que os especialistas interpretativos querem que eles digam, faz-se um esforço de espremer percentagens e tirar duvidosas lucubrações para que apareçam como resultado positivo, o que nem sempre são. Tudo é questão de interpretação, ao gosto do freguês; desliza ao saber da maré para que o barco, mesmo que em meio à turbulência, pareça estar na mais serena enseada.

A matemática é simples e objetiva: 2+2 são 4; além disso, é ciência, precisa e exata. Mas pesquisa de opinião, mesmo que os profissionais que atuam nesse (lucrativo) mercado, na ânsia de atribuir maior "nobreza" ao desenvolvimento da sua atividade, digam que se trata de uma ciência, fatos passados e recentes não permitem que se leve tal afirmação muito a sério.

Na semana passada, uma dessas pesquisas “ao gosto do freguês” saiu do forno e colocou o prefeito de Aracaju Edvaldo Nogueira num oásis de popularidade. Segundo esta, 86% dos aracajuanos aprovam a gestão do comunista. Mais interessante que a popularidade “lulesca” do prefeito, é a pesquisa ter pipocado num momento muito ruim para o chefe do executivo da capital, que saiu com a imagem bem arranhada após as fortes chuvas que caíram sobre a cidade por quase uma semana, trazendo à tona problemas com alagamentos em vários bairros e que poderiam ter sido evitados, se a prefeitura tivesse feito obras de infraestrutura necessárias para a contenção e mitigação dos temporais, que sempre chegam com o outono. Isso, certamente, irritou grande parte da população, principalmente quem perdeu casas e bens materiais de uma vida toda.

Com o “Ibope” em baixa, nada como uma boa pesquisa para levantar o moral. E ela veio, em hora das mais apropriadas para o alcaide. Mas quando se destrincham os números, vê-se que eles foram supervalorizados por quem lhes deu interpretação. À pergunta “como o senhor classifica a administração do prefeito Edvaldo Nogueira?”, 10% acham a administração ótima, 40% acham boa e 36% acham regular. Até aí, tudo bem, mas se 36% dos entrevistados a acham regular, isso não pode ser interpretado objetivamente como positivo, mas subjetivamente como um meio termo entre positivo e negativo. Portanto, a depender da interpretação que se queira dar a esse número, poder-se-ia dizer da mesma forma que 36% desaprovam a administração do prefeito. Tudo é questão de interpretação.

A pesquisa também apontou dados conflitantes. Nela, como já foi dito, 10% acham ótima a administração de Edvaldo; 40% acham boa; e 36% a vêem como regular. Mas seguem ou números: 4% acham ruim; 9% acham péssima; e 2% não souberam responder. Aí surge o inesperado. Somando-se todos os índices, chega-se a 101%, quando estes números deveriam somar 100%. Foi uma festa para os opositores do prefeito, que caçoaram um bocado dos números. Esse 1% pode até não mudar em nada o resultado final buscado na pesquisa, mas certamente a compromete dentro do processo empírico de uma sondagem estatística.

Mas pior que isso é ver que pesquisas de opinião pública têm também a capacidade de revelar a natureza astuta do homem de só aceitar o que lhe convém.

No dia 27 de março, o instituto Datafolha, que pertence ao jornal Folha de São Paulo, publicou pesquisa sobre a sucessão presidencial que surpreendeu a todos, por dar ao então governador de São Paulo, José Serra (PSDB), um sobressalto eleitoral que o jogou bem à frente da pré-candidata do PT, Dilma Rousseff, num período em que esta vinha crescendo nas sondagens.

O Datafolha, de forma ardilosa, ante um inseguro Serra quanto à sua desincompatibilização do governo de São Paulo para se lançar à corrida presidencial, para não jogar chope na festa preparada pelos tucanos, tratou de dar “uma forcinha” ao seu candidato, apontando sua subida em quatro pontos percentuais e queda da petista em um ponto, freando assim a escalada vertiginosa de Dilma das últimas semanas.

Foi uma festa para o tucanato, um regozijo para os demistas. A oposição riu à toa de norte a sul do Brasil. A farsa midiática teve lá o seu efeito, alegrando a torcida emplumada, mas foi tão grotesca que nenhum outro instituto quis embarcar nela.

Duas semanas depois, pesquisa Sensus, encomendada pelo Sintrapav (Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Construção Pesada de São Paulo), apontou o que todos já sabiam e esperavam: empate técnico entre o tucano José Serra (32,7%) e a petista Dilma Roussef (32,4%), o resultado mais apertado já obtido entre os dois até então.

A tucanada baixou a bola, mas não perdeu tempo e partiu pra cima da pesquisa. Líderes do PSDB saíram para trombetear que a pesquisa, que não lhe era mais tão favorável, por ser encomendada por um sindicato de trabalhadores – portanto, favorável à trabalhista Dilma –, não tem valor, tendo apenas o objetivo de impactar negativamente a campanha de Serra. Como se não bastasse tamanha arrogância e preconceito de classe, o líder do PSDB no Senado, Arthur Virgílio (AM), saiu com essa pérola: "Os institutos de pesquisa deveriam ter um certo regulamento. Eu acho meio surreal um sindicato encomendar pesquisa".

Um disparate. Pelo jeito, pra essa turma, pesquisa de opinião pública só pode ser encomendada por empresários, sindicatos de patrões e realizada pelos institutos que eles apontam. Fora disso, não tem valor. Nada mais estúpido. A Folha, como veículo de comunicação social, mentir e manipular – aliás, como sempre faz quando quer defender os seus interesses –, isso é que é chocante (e revoltante).

Mas como eu disse no início deste artigo, há pesquisas e pesquisas. Cabe ao povo buscar compreender o que há por trás dos seus dígitos e percentuais, saber interpretá-las à luz da razão, e não ao sabor dos interesses daqueles que buscam nos números e estatísticas as respostas e efeitos que lhes convém.

segunda-feira, 12 de abril de 2010

São as águas de março... caindo pesadas em abril

Março se foi, mas deixou suas águas – e quanta água – na atmosfera, e elas acabaram por despencar, sem trégua, por esses dias, deixando um rastro de destruição que começa no sul do país e chega à região norte, passando por estas plagas, despejando sobre muitas cidades sergipanas a fúria das águas benditas – não dá pra amaldiçoar a água; passada a tempestade, certamente virá a bonança e fartura nas colheitas, além de manter os reservatórios aquíferos em bons níveis.

Mas claro, onde cai água demais, há sempre destruição, mortes e muitos, muitos desabrigados.

Então, se há que se amaldiçoar alguém, que sejam os homens, o poder público e, principalmente, os maus políticos, aqueles que buscam as gentes humildes somente quando precisam arrancar-lhes os votos, e depois de eleitos, um abraço. Ficam apenas as promessas, a demagogia e os projetos de duvidosa solução a serem exibidos em belas maquetes e plantas baixas, mercadorias de ilusão de prestidigitadores de mão cheia.

Os vendedores de ilusão da política estão por aí, aos borbotões, alimentados justamente pela miséria e as desgraças alheias. Bestas feras das mais malignas, se reproduzem feito coelho, e o pior, alguns são recicláveis, transmutáveis – mudam na aparência, mas na essência, permanecem os mesmos. E esses bichos perversos não deixam a política – tampouco o povo em paz – nem com reza braba.

Com as fortes chuvas que caem, sem dó nem piedade, sobre quase todo Estado desde a quinta-feira 8, muitas dessas bestas feras vão se revelando, e as mazelas aflorando ao sabor das torrentes. E as notícias que a cada instante chegam traçam um panorama desolador em muitos municípios e também na nossa “moderna” capital da qualidade de vida,

São Cristóvão, Carmópolis, Tobias Barreto, Poço Redondo, Nossa Senhora do Socorro, Aracaju... em cada canto, uma história de sofrimento e perdas com as chuvas. E o povo vai assim, sofrendo e sofrendo, eleição após eleição.

Não faz sentido, e não dá pra aceitar. Apesar das surpresas da natureza, que de quando em quando apronta uma pra cima da gente – mas isso ocorre desde que o mundo é mundo –, é inconcebível que situações como as que observamos resultante das fortes chuvas de outono ainda persistam. Muitos desses problemas são do conhecimento das autoridades há tempos, acontecem todos os anos, mas nunca são resolvidos de forma permanente. Aliás, muitos desses problemas são varridos pra debaixo do tapete, e ali ficam, até que uma grande tragédia aconteça.

Portanto, nada de amaldiçoar a natureza por suas tempestades invariáveis, tampouco jogar a culpa pelas tragédias resultantes dos temporais nas costas dos pobres, como fez o governador do Rio, Sérgio Cabral, que em entrevista à GloboNews, dia desses, afirmou, com todas as letras, que a culpa pelas mortes nos desmoronamentos de encostas na capital carioca era dos pobres que ali construíram suas casas – como se estes tivessem outra opção. A velha e manjada criminalização da pobreza. Rico construindo mansões em encostas é lindo, panorâmico e excêntrico; pobre, fazendo o mesmo, está invadindo e destruindo as matas, pondo em risco a sociedade. Cômico, se não fosse trágico.

Se há que se amaldiçoar alguém, então que sejam esses mesmos que criminalizam a pobreza e aqueles que pouco fazem para buscar soluções concretas e duradouras para o enfrentamento das intempéries, sejam quais forem. Não se está pedindo aqui nenhum milagre, ou que se construam casas capazes de flutuar ante uma enchente, ou uma máquina de chuva para levar água onde a seca castiga. O que se pede é que se busquem os meios mais modernos de construção, as ferramentas disponíveis e as tecnologias existentes e as usem para mitigar os danos causados por forças inclementes da natureza. Nada demais. Tudo é questão de planejamento e vontade política, duas coisas que estão rareando por estas plagas, infelizmente! 


quinta-feira, 1 de abril de 2010

Golpe de 64: 1º de abril sem mentiras

Esforçam-se alguns historiadores em apontar o 31 de março como o dia do fatídico e truculento Golpe Militar que depôs o governo democrático de João Goulart e instituiu 21 anos de um regime ditatorial e sanguinário, onde milhares foram presos e torturados, centenas foram assassinados e outra centena e meia continua desaparecida até hoje, eliminada sem deixar vestígios.

Fato é que na noite de 31 de março de 1964, o general Olímpio Mourão Filho, que alimentava ódio particular a Jango e às suas reformas de base socializadoras, apoiado pelo governador de Minas Gerais, Magalhães Pinto, de forma atabalhoada, mas hostil e determinada, saiu de Juiz de Fora, em Minas Gerais, com suas tropas em direção ao Rio de Janeiro para depor o presidente. Foi a partir daí que outras tropas militares começaram a aderir. A efetivação do golpe, no entanto, aconteceu exatamente no dia seguinte, Dia da Mentira.
Uma mentira de verdade, nada engraçada.

E foi no dia 1º de abril que o presidente do Congresso Nacional, senador Auro de Moura Andrade, declarou vaga a Presidência da República. Ciente de que não teria mais como reverter a situação, Jango não reagiu à manobra político-militar, deixou o Brasil e o golpe se efetivou. O cargo foi provisoriamente assumido pelo presidente da Câmara dos Deputados, Paschoal Ranieri Mazilli, sob a tutela de uma junta militar.

Foi também no dia 1º que as forças militares deixaram 0 recado
claro de que vieram para estabelecer a sua ordem na base da força. Naquele mesmo dia, a sede da União Nacional dos Estudantes (UNE), na Praia do Flamengo, no Rio de Janeiro, foi incendiada, e o regime de violência se estabeleceu, com os militares iniciando sua “operação limpeza” contra os comunistas ou qualquer um que fosse contrário ao novo governo golpista.

Certamente, naquela manhã, um ou outro brasileiro desavisado acordou na sempre esperança marota de pregar uma mentira em alguém. Afinal, era Dia da Mentira. Mas em lugar do riso fácil e da troça, o amanhecer foi dos mais sombrios. No lugar do rotineiro barulho da vida urbana de então, o som surdo e aterrorizador das tropas e dos tanques nas ruas, a movimentação brusca e truculenta dos homens de lustrados coturnos e fuzis em riste, pouco a pouco tomando de assalto as ruas e os palácios de governo, lançando sua insubordinação estúpida e cega sobre as instituições democráticas, abafando e anulando toda e qualquer reação.

A alvorada foi cinzenta. Não teve risos nem pegadinhas. O 1º de abril foi sem mentiras, e durou 21 longos anos, de um regime autoritário que sufocou os sonhos dos que queriam construir uma nação auto-suficiente e auto-determinada; que aniquilou sem piedade os que lutavam por um Brasil que tivesse um outro perfil que não o da eterna prostituta explorada e serviu; que esfacelou a esperança de superação daquele Brasil subserviente e atrasado, mas onde vingavam os interesses do grande capital internacional, das multinacionais estadunidenses, das predatórias oligarquias latifundiárias, e da tétrica burguesia urbana, com seus desejos insaciáveis de um Brasil à parisiense, indiferente à real situação de miserabilidade em que vivia a maior parte do povo brasileiro, principalmente nas regiões norte e  nordeste.

Pois essas “forças ocultas”, junto com os setores conservadores da Igreja Católica e apoiados pela Central Intelligence Agency (CIA) e pela influente imprensa paulistana, carioca e mineira, trabalharam de mãos dadas para derrubar Jango.

Nesse ponto da nossa história, não foi pequeno o papel da imprensa brasileira. Foi ela quem incitou, em editoriais virulentos e manchetes sensacionalistas, o povo a se insuflar contra o governo e contra a tal “ameaça comunista”. Isso redundou nas famosas  "Marchas da Família com Deus pela Liberdade", que deram aos militares o apoio popular que precisavam para destituir Jango e tomar o poder.

Por isso, é sempre bom estar lembrando que os barões da mídia, em defesa do grupo que eles representam, a elite conservadora e reacionária, quando vêem os seus interesses ameaçados, põem as suas diferenças de lado e se unem, sem tergiversar, a qualquer tempo, como bem nos lembra Gilberto Maringoni, em artigo recente sobre o Instituto Millenium, que representa os interesses dessa gente atualmente.  Isso é instinto de sobrevivência e pura “consciência de classe”. Mas para essa mesma elite, como classe dominante, não importa a quais forças ela precise se unir para continuar dominando; o importante é manter os seus privilégios e o status quo inalterado, a ponto de apoiar e sustentar uma ditadura sanguinária sem perder o sono.

Em depoimento contundente sobre o Golpe de 64 para uma publicação da Editora Abril, o  presidente do grupo, Roberto Civita, deixou claras as suas impressões e de sua família sobre o levante militar golpista.

"Fiquei sabendo do golpe, que na época foi chamado de revolução, pelos jornais. Estava em casa. Achei ótimo. Naquele momento, acreditamos que se tratava de uma tentativa de evitar que o Brasil fosse tomado pelos comunistas. O governo Goulart estimulava a fuga de capitais, a desordem e a insubordinação das Forças Armadas. Mas não previ que o regime duraria duas décadas. Tinha certeza de que a intenção era promover eleições num prazo relativamente curto. Ainda acredito que esta era a intenção inicial, mas – como descobri com o passar do tempo – boas intenções não bastam. As mudanças estruturais dos primeiros anos abriram um caminho de crescimento para a Editora Abril. Mas, depois do AI-5, de dezembro de 1968, amargamos 11 anos de censura e arbitrariedades que comprometeram as décadas seguintes.”

Mais honestidade, impossível. E para que não pairem dúvidas sobre o papel da famiglia Civita e de outros barões da mídia no suporte ao Golpe de 1º de abril, deixo algumas manchetes e editoriais dos jornais da época para uma profunda reflexão. O conteúdo é fruto de uma pesquisa publicada no blog BrHistória, da jornalista Cristiane Costa:

31/03/64 – CORREIO DA MANHÃ – (Do editorial, BASTA!): "O Brasil já sofreu demasiado com o governo atual. Agora, basta!"

1°/04/64 – CORREIO DA MANHÃ – (Do editorial, FORA!): "Só há uma coisa a dizer ao Sr. João Goulart: Saia!"

1º/04/64 – ESTADO DE SÃO PAULO – (SÃO PAULO REPETE 32) "Minas desta vez está conosco"… "dentro de poucas horas, essas forças não serão mais do que uma parcela mínima da incontável legião de brasileiros que anseiam por demonstrar definitivamente ao caudilho que a nação jamais se vergará às suas imposições."

02/04/64 – O GLOBO – "Fugiu Goulart e a democracia está sendo restaurada"… "atendendo aos anseios nacionais de paz, tranqüilidade e progresso… as Forças Armadas chamaram a si a tarefa de restaurar a Nação na integridade de seus direitos, livrando-a do amargo fim que lhe estava reservado pelos vermelhos que haviam envolvido o Executivo Federal".

02/04/64 – CORREIO DA MANHÃ – "Lacerda anuncia volta do país à democracia."

05/04/64 – O GLOBO – "A Revolução democrática antecedeu em um mês a revolução comunista".

05/04/64 – O ESTADO DE MINAS – "Feliz a nação que pode contar com corporações militares de tão altos índices cívicos". "Os militares não deverão ensarilhar suas armas antes que emudeçam as vozes da corrupção e da traição à pátria."

06/04/64 – JORNAL DO BRASIL – "PONTES DE MIRANDA diz que Forças Armadas violaram a Constituição para poder salvá-la!"

“Golpe? É crime só punível pela deposição pura e simples do Presidente. Atentar contra a Federação é crime de lesa-pátria. Aqui acusamos o Sr. João Goulart de crime de lesa-pátria. Jogou-nos na luta fratricida, desordem social e corrupção generalizada”.
(Jornal do Brasil, edição de 01 de abril de 1964.)

“Desde ontem se instalou no País a verdadeira legalidade … Legalidade que o caudilho não quis preservar, violando-a no que de mais fundamental ela tem: a disciplina e a hierarquia militares. A legalidade está conosco e não com o caudilho aliado dos comunistas”
(Editorial do Jornal do Brasil - Rio de Janeiro - 1º de Abril de 1964)

“Multidões em júbilo na Praça da Liberdade.
Ovacionados o governador do estado e chefes militares.
O ponto culminante das comemorações que ontem fizeram em Belo Horizonte, pela vitória do movimento pela paz e pela democracia foi, sem dúvida, a concentração popular defronte ao Palácio da Liberdade. Toda área localizada em frente à sede do governo mineiro foi totalmente tomada por enorme multidão, que ali acorreu para festejar o êxito da campanha deflagrada em Minas (…), formando uma das maiores massas humanas já vistas na cidade”

(O Estado de Minas - Belo Horizonte - 2 de abril de 1964)

“Salvos da comunização que celeremente se preparava, os brasileiros devem agradecer aos bravos militares que os protegeram de seus inimigos”
“Este não foi um movimento partidário. Dele participaram todos os setores conscientes da vida política brasileira, pois a ninguém escapava o significado das manobras presidenciais”

(O Globo - Rio de Janeiro - 2 de Abril de 1964)

“A população de Copacabana saiu às ruas, em verdadeiro carnaval, saudando as tropas do Exército. Chuvas de papéis picados caíam das janelas dos edifícios enquanto o povo dava vazão, nas ruas, ao seu contentamento”
(O Dia - Rio de Janeiro - 2 de Abril de 1964)

“Escorraçado, amordaçado e acovardado, deixou o poder como imperativo de legítima vontade popular o Sr João Belchior Marques Goulart, infame líder dos comuno-carreiristas-negocistas-sindicalistas. Um dos maiores gatunos que a história brasileira já registrou, o Sr João Goulart passa outra vez à história, agora também como um dos grandes covardes que ela já conheceu.”
(Tribuna da Imprensa - Rio de Janeiro - 2 de Abril de 1964)

“Ressurge a Democracia! Vive a Nação dias gloriosos. Porque souberam unir-se todos os patriotas, independentemente das vinculações políticas simpáticas ou opinião sobre problemas isolados, para salvar o que é de essencial: a democracia, a lei e a ordem.
Graças à decisão e ao heroísmo das Forças Armadas que, obedientes a seus chefes, demonstraram a falta de visão dos que tentavam destruir a hierarquia e a disciplina, o Brasil livrou-se do governo irresponsável, que insistia em arrastá-lo para rumos contrários à sua vocação e tradições.  Como dizíamos, no editorial de anteontem, a legalidade não poderia ter a garantia da subversão, a ancora dos agitadores, o anteparo da desordem. Em nome da legalidade não seria legítimo admitir o assassínio das instituições, como se vinha fazendo, diante da Nação horrorizada …”

(O Globo - Rio de Janeiro - 4 de Abril de 1964)