domingo, 28 de julho de 2013

Só parando as rotativas...

A experiência de ter tentado tirar de circulação, em uma ação sindical, um jornal local – o Jornal da Cidade – me fez refletir sobre o futuro sombrio da profissão de jornalista, especificamente no campo do jornal impresso.

A tentativa de evitar que profissionais jornalistas – pauteiros, repórteres, redatores, revisores, diagramadores e repórteres fotográficos – pudessem acessar a redação e, assim, colocar em colapso a produção do jornal a ponto de ele não conseguir sair com sua edição completa no dia seguinte, ou no máximo sair magrinho, com as notícias apenas nacionais e internacionais, foi uma ideia, confesso agora, no mínimo das mais inocentes. Mas também reveladora. 

Apesar do esforço de quase 70 pessoas, entre sindicalistas, jornalistas, radialistas, representantes de outras categorias e apoiadores de movimentos sociais, que na última sexta-feira (26) ocuparam as entradas do JC, o maior jornal diário de Sergipe – ainda que de circulação modesta – como tática para forçar o patronato da comunicação local, sempre mesquinho e arrogante na hora de negociar melhorias salariais e sociais para a categoria, a atender as pautas de reivindicações dos trabalhadores da comunicação em campanha salarial, o jornal, no dia seguinte, sábado, saiu quase que completo. Para o leitor do periódico, nada de incomum aconteceu. Seu jornal estava lá, com as notícias em dia.

A sensação de frustração por encontrar o jornal nas bancas “completinho” no dia seguinte para quem, como eu, participou do piquete na porta do JC durante todo o dia, deu lugar, logo em seguida, a reflexões mais apuradas sobre a lógica que permeia a produção de um jornal diário e a real tarefa cumprida por jornalistas de impresso em redação nos dias atuais. Por que mesmo com a tática do “ninguém entra para fazer o jornal” ele saiu na manhã seguinte quase que completo? Simples. Um jornal impresso já não precisa de uma redação física para funcionar. E isso é o que é mais assustador do ponto de vista da profissão de jornalista.

A ordem dos capatazes de redação, quer dizer, dos chefes de redação e da empresa diante do movimento paredista foi a de mandar os jornalistas para as suas casas (ou para a lan house mais próxima) se virarem na produção das suas matérias e enviá-las por e-mail. Sem consciência de classe e pressionados de muitas formas, eles foram. O resto ficaria por conta de dois diagramadores que furaram a greve intransigentemente, com a desculpa de que não eram nem sindicalizados nem jornalistas, para felicidade do patrão. Alienados duas vezes, uma por não se reconhecerem como trabalhadores a ponto de se somar aos demais, dois por sequer conhecer a regulamentação da sua profissão: pelo Decreto 83.284/79, diagramador pertence à categoria dos jornalistas.  

Com as matérias recebidas por e-mail, editadas pelos chefes de editoria – possivelmente em suas casas também – e reenviadas para o editor-geral dar sua olhada antes de enviar para os revisores por e-mail, aguardando o retorno para edição final, dois diagramadores com certeza dariam conta de fechar um jornal, ainda que no sacrifício.

Diante deste fato, fica claro que com o avanço das tecnologias da informação e as facilidades propiciadas pela comunicação em tempo real via internet, as redações jornalísticas cada vez mais caminham para uma realidade virtual. Aliás, uma parte dos profissionais do jornalismo impresso hoje em dia já atua dessa forma, produzindo matérias de suas casas ou de seus escritórios – ou de qualquer lugar que não uma redação –, enviando-as no fim do dia aos seus chefes, cumprindo com o seu “dia de trabalho”.

Assim, está aberta a temporada de caça ao jornalista formal, aquele que vai para a redação, bate seu ponto, pega as suas pautas diárias com o pauteiro e as coordenadas com o chefe de reportagem, e vai pra rua coletar as informações, voltando em seguida pra redação para produzir suas matérias.

Mais que frustração diante do ocorrido no episódio do fechamento do JC, com o esforço e persistência dos sindicalistas e apoiadores em barrar a entrada dos jornalistas e seus chefes para parar a produção do diário, fica a sensação de que a redação de um jornal impresso como historicamente a conhecemos, em breve, será peça de museu. Muito por obra e fruto dos próprios jornalistas e da sua falta de consciência de classe e reconhecimento como trabalhadores que de fato são, com carteira assinada e direitos trabalhistas por manter e por lutar para verem avançar.

O mundo virtual e tecnológico vai cada vez mais substituindo o mundo concreto e tátil como o conhecemos, transformando algumas categorias de trabalhadores de tal forma que põe em risco até mesmo a sua existência. Afinal, com o fim da exigência de diploma específico para o exercício do jornalismo no Brasil, para satisfação e glória dos empresários da comunicação, hoje qualquer um é jornalista, em qualquer lugar e a qualquer hora. Redação, assim, vai ficando supérflua. E fato concreto, para se parar um jornal impresso numa greve de trabalhadores jornalistas hoje em dia, só mesmo parando as suas rotativas, estas as únicas que não têm como ser substituídas, ainda. Fica o aprendizado.