sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Entrevista exclusiva com João Pedro Stédile

 Não é todo dia que a gente se bate com o João Pedro Stédile. Tive essa sorte. Conversamos um bocado. Cara extraordinário. Aproveitei e fiz uma boa entrevista com ele, publicada no site da CUT Sergipe e que disponibilizo aqui no Blog. Vale a pena conferir.

“A reforma agrária está parada no governo Dilma”

Avaliação é do coordenador nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, João Pedro Stédile, que esteve em Sergipe para participar da I Conferência Camponesa do Estado e lançar o livro Dicionário da Educação do Campo

De passagem por Sergipe, onde veio para participar, no Assentamento Quissamã, da I Conferência Camponesa do Estado, João Pedro Stédile, coordenador nacional, fundador e maior liderança do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST, deu uma pausa na sua apertada agenda – deu palestra e lançou o livro Dicionário da Educação do Campo –, para conceder uma entrevista exclusiva, onde falou sobre o pouco avanço da reforma agrária no governo Dilma, a disputa com  o agronegócio, a criminalização, por parte da mídia e do judiciário, dos movimentos camponeses e de luta dos trabalhadores, os enfrentamentos com a mídia burguesa e a necessidade de emissoras públicas sob controle da sociedade, passando por uma rápida análise sobre a situação da reforma agrária em Sergipe. Confira a seguir a entrevista com este economista, gaúcho de Lagoa Vermelha, de formação marxista e referência mundial de lutador social, que aos 52 anos continua firme na batalha obstinada por reforma agrária ampla e justa no Brasil.

- Qual a avaliação que o senhor faz da situação da reforma agrária no Brasil no governo Dilma?
João Pedro Stédile – A reforma agrária está parada no governo Dilma. Na nossa avaliação, que é compartilhada por outros movimentos sociais que atuam em todo o Brasil, isso se deve à conjugação de vários fatores. O primeiro é que ainda o agronegócio é hegemônico na sociedade, e quem defende o agronegócio criou, via imprensa nacional, uma falsa imagem de que é este tipo de negócio que será a redenção da lavoura no Brasil, que é ele que carrega o Brasil nas costas, quando é o contrário. Se o governo não liberasse R$ 120 bilhões para financiar o agronegócio, eles não aplicariam nada na lavoura. Segundo, porque o governo Dilma, sendo um governo de composição, na nossa opinião, as forças majoritárias que coordenam a agricultura no Brasil pertencem ao agronegócio, isso não só no Ministério da Agricultura; esta visão também permeia outros ministérios, como o do Planejamento, a Casa Civil e o Ministério da Fazenda. Um terceiro fator é que falta no Brasil um debate aprofundado de projeto para a o país. O governo Dilma está apenas administrando as contas públicas e a herança do Lula, mas falta ao país um debate maior de projeto, para onde vamos e o que temos que fazer. E a reforma agrária só tem sentido se ela estiver dentro do bojo de um projeto de país. Apesar de que no senso comum reforma agrária é apenas desapropriar áreas e assentar camponeses, no fundo mesmo reforma agrária é apostar num outro modelo de produção agrícola, que se contrapõe e é antagônico ao projeto do agronegócio. E um último motivo do por que da reforma agrária estar parada é que acabou havendo um loteamento besta no INCRA entre as diferentes correntes que compõem o governo federal e isso tira a unidade de um projeto nacional.

- Como assim, um loteamento besta?
JPS - Veja, nós não somos contra partidos que fazem parte do governo indicarem seus quadros para compor este governo. É da natureza da política. Mas o que relutamos em aceitar é que o INCRA, que é estilo Banco Central, ou seja, é uma área especializada e, portanto, é preciso ter quadros que entendam do assunto, no caso do INCRA, tenha pessoas que não entendam de reforma agrária. Pra se ter um ideia do descaso, tivemos um caso absurdo na Superintendência do INCRA de Goiás, onde os partidos da base do governo de Goiás sortearam os cargos públicos a que tinham direito dentro de um copo. Aí, o INCRA no estado caiu para o PTB, que indicou um dentista para o cargo, um cara que não sabe diferenciar uma espiga de milho de uma abóbora. E no fim, somos nós que pagamos essa conta.

- Stédile, e essa crise econômica internacional, que se estende ainda hoje?  Ela tem sido utilizada como discurso para emperrar ainda mais a reforma agrária e a produção agrícola familiar e dar mais força ao agronegócio, no sentido de que este produz commodities que ajudam a equilibrar a balança comercial brasileira?
JPS – A crise mundial teve dois cenários que, para mim, são, por enquanto, bastante contraditórios. O primeiro é que ela atraiu para o Brasil muito capital financeiro internacional e que foram aplicados em compra de terras, usinas (para produção de combustíveis) e hidroelétricas, e isso fez o preço do hectare de terra subir, dificultando o cenário para nós, já que o capital internacional disputou terras com o INCRA. O Segundo movimento contraditório é que os preços das commodities agrícolas internacional subiram mais de 200% da crise pra cá, porque os capitalistas foram nas bolas de mercadorias especular. Mas isso tudo é temporário e efêmero, e aí se aplica o dito popular: quanto mais alto for, maior será o tombo. Espero que as autoridades do governo Dilma tenham juízo para se dar conta de que essa euforia momentânea das exportações agrícolas não significa nem solução definitiva para os nossos problemas econômicos e muito menos para um projeto de país; pelo contrário, a conseqüência negativa de tudo isso é que o Brasil tem abandonado o seu projeto nacional, por exemplo, na indústria. O Brasil está em pleno processo de desindustrialização. Na década de 80 a indústria pesava 36% na economia nacional, hoje pesa 15%. Isto é que é muito grave, porque a indústria significa produção de riquezas e empregos a longo prazo.

- Na sua opinião, a atual formatação do Congresso Nacional, com as bancadas ruralista e empresarial fortes, também cria uma cenário muito mais difícil para a luta por reforma agrária e para os movimentos sindical e social?
JPS – Na verdade o Congresso Nacional nunca nos foi favorável e não gera política. O Congresso é o espelho do que acontece na sociedade, diferente do Judiciário e da Imprensa, que são dois instrumentos de poder que a direita controla com muito mais força, a mãos de ferro, contra a classe trabalhadora, contra a reforma agrária e contra a esquerda. O Congresso é espelho. Como estamos vivendo um longo período de refluxo dos movimentos de massa e uma apatia geral quanto à participação na política, isso se reflete no Congresso, nas pautas que são discutidas e no rebaixamento dos que são eleitos, porque para se eleger hoje, o sujeito tem que gastar milhões, e grandes empresas é que bancam. Nós só vamos mesmo melhorar o nosso Congresso Nacional quando houver financiamento público das campanhas, porque isso dará uma democratizada no processo eleitoral. Enquanto estiver do jeito que está, será sempre muito difícil para os trabalhadores e para os movimentos sociais.

- Você falou há pouco da Imprensa. Esta mesma Imprensa, que sempre te demonizou, demonizou o MST e os movimentos de trabalhadores de uma forma geral, continua forte, já que o ‘latifúndio midiático’ é outro setor que continua intocável e que segue criando dificuldades para a luta por reforma agrária e a favor dos trabalhadores...
JPS – Claro, claro! Das várias esferas de poder que há na sociedade brasileira, a mídia é onde estamos longe de ter hegemonia. Os trabalhadores de fato conseguiram disputar, em parte, o governo (federal), e ainda assim gerou-se um governo de composição de classes, como no caso dos governos Lula e Dilma. Nos governos estaduais, este cenário é ainda mais complexo. São raros os governos estaduais onde os trabalhadores tenham hegemonia. Diante deste cenário, a direita e a classe dominante se refugiaram em dois instrumentos onde elas têm controle absoluto: o Judiciário e a Mídia, que são usados como armas contra a luta social e contra os trabalhadores. Então, quando se fala em criminalização dos movimentos sociais, é preciso levar em consideração que o que está acontecendo no Brasil nos últimos dez anos, do Lula pra cá, é que a direita não precisa mais usar a repressão contra sindicalistas, nem mandar mais assassinar líderes camponeses. Claro que aqui e acolá ainda acontecem esses casos extremados de violência, mas o foco maior da criminalização é que a burguesia tem usado a imprensa para satanizar os movimentos, para desmoralizar a luta social de maneira a criar um sentimento na opinião pública de que quem luta por transformação é baderneiro, de que movimento sindical só pensa em greve, e isso é a maior forma de criminalizar, é você condenar por antecipação. É isso que tem sido feito contra os nossos movimentos.

- Mas ao menos a mídia tem te deixado um pouco mais em paz? Como está a sua relação com a imprensa nacional?
JPS – De maneira geral, não mudou nada. Continuam batendo pesado. É só o MST fazer algum movimentação de ocupação ou obter alguma conquista mais concreta que a imprensa bate e bate firme. Mas agora também já observamos uma outra forma de ‘bater’ no movimento, é ‘esconder’ o próprio movimento. Antigamente, qualquer ocupação de terra que fazíamos, imediatamente repercutia na imprensa nacional. Eles se deram conta de que isso era uma maneira de fazer propaganda pra gente. E o que é que estamos vendo agora, de uns três a quatro anos pra cá? Eles estão querendo nos ‘esconder’. A gente pode fazer a luta que for, geralmente não sai uma linha, nem pro bem nem pro mal.

- Neste caso, para os movimentos social, camponês e sindical, não seria vital lutar muito mais para construir os seus próprios meios de comunicação para fazer essa disputa?
JPS – Ah, sim, sem dúvida nenhuma! A classe trabalhadora tem que atuar em várias frentes para se contrapor à hegemonia da burguesia. Uma das frentes é construir os seus próprios meios de comunicação, sejam rádios comunitárias, jornais, boletins, ou comprar espaços na mídia comercial, rádio e televisão, mas principalmente, pressionar o governo para que tenhamos emissoras verdadeiramente públicas, sob controle social, não como vem acontecendo. Veja a TV Brasil, acabou virando uma emissora ‘chapa branca’, assim como a TV Cultura é a ‘chapa branca’ dos tucanos. Isso não pode! Temos que ter emissoras públicas com controle da sociedade e a serviço da sociedade, para que isso democratize a televisão, que é o maior instrumento de comunicação. E, ao mesmo tempo, a única maneira de alterarmos essa correlação de forças é nós estimularmos a luta social, porque o reascender do movimento de massas é que vai criar um outro clima na sociedade.

- E como você tem observado a reforma agrária mais especificamente em Sergipe?
JPS – Pra te dizer a verdade, tenho pouca informação sobre o cenário, mas acho que aqui tem mais condições de se avançar, porque o governo estadual apoia os trabalhadores. Entretanto, infelizmente, a reforma agrária é uma questão nacional e independe na maioria das vezes de iniciativas estaduais. Então, eu acredito, embora não conheça bem, seja um verdadeiro ignorante da realidade local, que a situação não é diferente da realidade nacional.

- Diante de todo este cenário de dificuldades, você continua esperançoso de que a reforma agrária avance no Brasil?
JPS – Todo mundo que trabalha nas organizações populares, seja no movimento social, sindical ou nas igrejas, quem lida com o povo tem que ser otimista sempre. Quem é pessimista ou melancólico não pode atuar com o povo. Temos sempre que ser esperançosos e passar a mensagem de que só a luta arranca conquistas. Evidentemente que na história de construção de um país, as coisas vão acontecendo por ondas; agora estamos no refluxo dos movimentos sociais, mas virão outros momentos de retomarmos a ofensiva dessa luta. É não desanimar e continuar lutando sempre, porque é a única maneira que temos para avançar.