terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Comunicação & Democracia: os avanços de 2011*


(*) Publicado originalmente no Observatório da Imprensa

Mais um fim de ano. Tempo de balanços, de reavaliar metas, de planejar o futuro. Sobretudo, tempo de refletir sobre o que se fez e o que se deixou de fazer no campo das comunicações.

Ao contrário do rotineiro, e para evitar a repetição do já escrito ao longo do ano, arrisco um balanço seletivo de 2011. Sem qualquer ordem de relevância e sem pretender ser exaustivo, registro dez pontos que, numa perspectiva histórica, podem ser considerados como avanço no sentido da garantia democrática de que mais vozes participem e sejam ouvidas no debate público.

Dez avanços

1. Relatório do special rapporteur para a “promoção e proteção do direito à liberdade de opinião e expressão” do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, tornado público no dia 3 de junho, reconhece o acesso à internet como um direito humano (ver, neste Observatório, “Na pauta da igreja e da ONU”).

Os últimos dados sobre a internet no Brasil indicam, segundo a agência F/Nazca, que somos 81,3 milhões de internautas (a partir de 12 anos). Para o Ibope/Nielsen, somos 78 milhões (a partir de 16 anos – setembro/2011). De acordo com a Fecomércio-RJ/Ipsos, o percentual de brasileiros conectados aumentou de 27% para 48%, entre 2007 e 2011 (ver aqui).

Neste contexto, um projeto de lei para definir regras sobre direitos, deveres e princípios para o uso da internet (marco civil) foi enviado pela Presidência da República ao Congresso Nacional em agosto (ver aqui).

2. O crescimento e fortalecimento dos movimentos pró-criação dos conselhos estaduais de comunicação social (CCS) em vários estados da federação (ver “Onde estamos e para onde vamos”).

A pioneira Bahia elegeu os representantes da sociedade civil para o CCS-BA – 10 entidades do segmento empresarial e 10 do movimento social – que tomam posse no dia 12 de dezembro, juntamente com os 7 membros indicados pelo governo do estado.

No Rio Grande do Sul, o pleno do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES) aprovou, no dia 1º de dezembro, a recomendação ao governador do estado de criação do CCS-RS. Agora será formado um grupo de trabalho composto por membros do CDES e da Casa Civil para elaborar o projeto de lei a ser encaminhado a Assembleia Legislativa.

3. A realização do II Encontro Nacional de Blogueiros Progressistas, em Brasília, em junho; e do I Encontro Internacional de Blogueiros, em Foz do Iguaçu, PR, em outubro. Os dois encontros sinalizam a consolidação da organização dos blogueiros progressistas no Brasil e o início de uma articulação internacional.

4. A construção e divulgação da “Plataforma para um novo Marco Regulatório das Comunicações no Brasil”, em outubro. O texto que contem as 20 propostas prioritárias, resulta de um trabalho histórico que convergiu na realização da I Conferência Nacional de Comunicação (Confecom) e foi inicialmente sistematizado no seminário “Marco Regulatório – Propostas para uma Comunicação Democrática”, realizadopelo Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) e outras entidades nacionais e regionais, no Rio de Janeiro, em maio (ver aqui).

5. A continuidade das atividades quase heroicas de entidades como a Rede de Educação Cidadã (Recid) e o Núcleo Piratininga de Comunicação (NPC) promovendo a comunicação popular e sindical.

A Recid é uma articulação de atores sociais, entidades e movimentos populares, vinculada à Secretaria Geral da Presidência da República, que desenvolve um trabalho junto a grupos vulneráveis econômica e socialmente (indígenas, negros, jovens, LGBT, mulheres e outros), totalmente à margem da grande mídia. Um exemplo das atividades da RECID foi a realização da IV Ciranda de Educação Popular, em maio (ver “Direito à comunicação: o Fórum e a Ciranda”). Já o NPC dedica-se à assessoria de comunicação – do jornal impresso à internet, da oratória ao uso do rádio e do vídeo – e oferece, por exemplo, cursos ligados a comunicação sindical e popular e a história dos trabalhadores.

6. Os inúmeros observatórios de mídia, ligados ou não à Rede Nacional de Observatórios da Imprensa (Renoi), que surgem e se consolidam em vários estados brasileiros, mobilizando grupos de jovens voluntários que trabalham pelo direito à comunicação. Um exemplo: o Observatório da Mídia Paraibana, um projeto de ensino, pesquisa e extensão, criado em 2010, por iniciativa de estudantes da Universidade Federal da Paraíba, com o objetivo de analisar a mídia do estado.

7. O processo de consolidação da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) que completou o mandado de sua primeira diretoria e inicia uma nova gestão ampliando a construção e a presença de um sistema público de comunicação no território nacional. Registre-se a continuidade importante de programas como o pioneiro Observatório da Imprensa na TV e o Ver TV, janelas solitárias para a discussão da grande mídia na televisão brasileira, comandados, respectivamente, pelos jornalistas Alberto Dines e Lalo Leal Filho.

8. A criação da Frente Parlamentar pela Liberdade de Expressão e pelo Direito à Comunicação com Participação Popular (Frentecom), em abril. A Frentecom, composta por 194 parlamentares e mais de uma centena de organizações da sociedade civil e coordenada pela deputada Luiza Erundina (PSB-SP) e pelo deputado Emiliano José (PT-BA), tem como objetivo acompanhar os debates sobre direito à comunicação e liberdade de expressão no Estado brasileiro, especialmente na Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara dos Deputados e no Ministério das Comunicações.

9. A disponibilização do cadastro dos concessionários de radiodifusão do Ministério das Comunicações (Dados de Outorga) cujo acesso voltou a ser permitido, a partir de 30 de maio, em relação às entidades por localidade e aos sócios e diretores por entidade.

10. A atitude corajosa de membros do Judiciário que, na contramão de instâncias superiores, enfrentam o poder da grande mídia nas suas respectivas áreas de atuação. Dois exemplos ocorridos em outubro: a entrevista do presidente da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul(Ajuris) e a Ação Civil Pública do Ministério Público da Paraíba, que pede suspensão de programa por exibição de cenas de estupro de menor, cassação da concessão da TV Correio (repetidora da TV Record) e pagamento de indenização de R$ 500 mil à menor, pelo uso indevido da imagem, violação da privacidade e danos morais, além de danos morais à coletividade, no valor de R$ 5 milhões.

“Finalidade sem fim”
Tomo emprestado um pouco da sabedoria e do otimismo do professor Antonio Cândido, em admirável entrevista publicada no jornal Brasil de Fato, em julho. Explicando sua opção socialista, o professor recorre a Kant, via Bernstein, e afirma:

“O socialismo é uma finalidade sem fim. Você tem que agir todos os dias como se fosse possível chegar ao paraíso, mas você não chegará. Mas se não fizer essa luta, você cai no inferno.”

A regulação da mídia para a democratização da comunicação parece constituir uma dessas “finalidades sem fim” em nosso país.

Feliz 2012.

terça-feira, 19 de julho de 2011

O velho Lobo do Mar se foi...

(Ao mestre Cleomar Brandi)

Foi num domingo de tempo ameno e calmo que o velho Lobo do Mar descansou. Tinha de ser num domingo, dia dos bons pra uns conhaques ao cair da tarde na praia de Atalaia, ao som do quebrar das intermináveis ondas salobras, sentindo o vento e a maresia que encrespava sua barba e cabelos grisalhos, do tom dos que viveram intensamente a vida e têm muitas histórias pra contar. E boêmio como ninguém, histórias pra contar ele tinha. Ah, como tinha!

Em seu “cavalo de rodas”, feito um bravo Quixote, o velho Lobo cruzou essa Aracaju de cabo a rabo, não em busca de ilusórios moinhos de vento, mas do aconchego dos amigos verdadeiros, de bares inebriantes e sonhos etílicos. Madrugou muitas madrugadas, bebeu conhaques dos bons, cantou muitas canções, fez poesia, amou, foi amado e alegrou a vida de muitos! Nesta vida, pescou muitos amigos!

Foi-se o velho Lobo do Mar. Descansou o guerreiro. Partiu pra outra, depois de tantas e árduas lutas contra o danado do câncer, que muito o maltratou, mas jamais lhe tirou o ânimo e a vontade de viver e de curtir cada dia como se fosse o último. Colheu o dia, aproveitou cada momento... Carpe diem!

O velho Lobo se foi num domingo, levado pela “mulher de foice” que tanto temia, mas que jamais deixou de encarar de frente e com coragem, todos os dias, na luta renhida contra o diacho do câncer, e caçoou dela muitas vezes, quando tinha de voltar de onde veio sem a “encomenda”.

E, quem diria, até nessa hora tinha de ser uma mulher a lhe levar nos braços, para sempre, para cama do além... Se fizeram amor depois, não sei, mas é bem capaz que até ela tenha sucumbido, como muitas e felizes mulheres, aos seus encantos e seduções. Eita Lobo velho que sabia seduzir!

Com sua morte, o domingo foi melancólico e triste, mas de uma melancolia e tristeza diferentes, porque o velho Lobo não queria choro de jeito maneira... Vela, tudo bem! Mas choro, nem pensar! Queria os amigos por perto, velando-lhe a alma sem choradeira, bebericando conhaque e cerveja, com cantorias, ao som de um violão debulhando as boas músicas da vida, como se estivessem todos no Camilo, no Pastelão ou na Confraria dos Cajueiros.

E varou-se a madrugada assim...

Apesar do desejo de muitos de retardar a despedida, de ficar muito mais tempo em sua companhia, mesmo que para apenas vê-lo ali, tranquilo, dormindo seu sono eterno, não teve jeito. Bateu as 4 da tarde. O tempo não pára, já dizia o poeta... Era chegada a fatídica hora da despedida final. Hora de enterrar o velho Lobo, o velho Lobo do Mar.

E ele se foi, sepultado ao som de um blues... E choveu, como se o choro contido de muitos até ali, de repente, resolvesse todo ele desaguar dos céus. E como se não bastasse, um maravilhoso arco-íris se formou ao longe, como a reverenciar sua chegada sabe-se lá onde... Nada mais enigmático e belo!

Não chorei, porque me sentia preenchido por boas lembranças e porque achava que seria um insulto à sua alegria de viver. Mas os que não se contiveram e choraram – contrariando o último desejo do velho Lobo – têm a minha compreensão, porque não ouvir mais a sua voz rasgada e festiva, não poder partilhar do seu sorriso largo e sincero, da sua presença espirituosa, da sua amizade sincera, do seu entusiasmo inabalável pela vida, não poder tirar lições cotidianas do seu profissionalismo exemplar, da sua ética inflexível e do seu jornalismo honesto, é duro, muito duro!

E como não chorar ao ler as últimas linhas de sua última crônica? “Um dia, o velho barril de carvalho pinga sua última gota de conhaque. E o poeta se despede de tudo, sem tristezas nem vexames. Apenas sabendo que cumpriu seu papel com dignidade, com honestidade e com um brilho de criança nos olhos. Quem sabe, eu encontre o amarelo dos girassóis nesse novo caminho?”, escreveu, em despedida.

O velho Lobo do Mar se foi... um brinde à sua memória, um brinde à vida! 



(Agradeço ao amigo Gilson Sousa pela foto)

domingo, 8 de maio de 2011

Carta de um Nobel da Paz a Barack Obama

Por Adolfo Pérez Esquivel

Estimado Barack, ao dirigir-te esta carta o faço fraternalmente para, ao mesmo tempo, expressar-te a preocupação e indignação de ver como a destruição e a morte semeada em vários países, em nome da “liberdade e da democracia”, duas palavras prostituídas e esvaziadas de conteúdo, termina justificando o assassinato e é festejada como se tratasse de um acontecimento desportivo.

Indignação pela atitude de setores da população dos Estados Unidos, de chefes de Estado europeus e de outros países que saíram a apoiar o assassinato de Bin Laden, ordenado por teu governo e tua complacência em nome de uma suposta justiça. Não procuraram detê-lo e julgá-lo pelos crimes supostamente cometidos, o que gera maior dúvida: o objetivo foi assassiná-lo.

Os mortos não falam e o medo do justiçado, que poderia dizer coisas inconvenientes para os EUA, resultou no assassinato e na tentativa de assegurar que “morto o cão, terminou a raiva”, sem levar em conta que não fazem outra coisa que incrementá-la.

Quando te outorgaram o Prêmio Nobel da Paz, do qual somos depositários, te enviei uma carta que dizia: “Barack, me surpreendeu muito que tenham te outorgado o Nobel da Paz, mas agora que o recebeu deve colocá-lo a serviço da paz entre os povos; tens toda a possibilidade de fazê-lo, de terminar as guerras e começar a reverter a situação que viveu teu país e o mundo”.

No entanto, ao invés disso, você incrementou o ódio e traiu os princípios assumidos na campanha eleitoral frente ao teu povo, como terminar com as guerras no Afeganistão e no Iraque e fechar as prisões em Guantánamo e Abu Graib no Iraque. Não fez nada disso. Pelo contrário, decidiu começar outra guerra contra a Líbia, apoiada pela OTAM e por uma vergonhosa resolução das Nações Unidas. Esse alto organismo, apequenado e sem pensamento próprio, perdeu o rumo e está submetido às veleidades e interesses das potências dominantes.

A base fundacional da ONU é a defesa e promoção da paz e da dignidade entre os povos. Seu preâmbulo diz: “Nós os povos do mundo...”, hoje ausentes deste alto organismo.

Quero recordar um místico e mestre que tem uma grande influência em minha vida, o monge trapense da Abadia de Getsemani, em Kentucky, Tomás Merton, que diz: “a maior necessidade de nosso tempo é limpar a enorme massa de lixo mental e emocional que entope nossas mentes e converte toda vida política e social em uma enfermidade de massas. Sem essa limpeza doméstica não podemos começar a ver. E se não vemos não podemos pensar”.

Você era muito jovem, Barack, durante a guerra do Vietnã e talvez não lembre a luta do povo norteamericano para opor-se à guerra. Os mortos, feridos e mutilados no Vietnã até o dia de hoje sofrem as consequências dessa guerra.

Tomás Merton dizia, frente a um carimbo do Correio que acabava de chegar, “The U.S. Army, key to Peace” (O Exército dos EUA, chave da paz): “Nenhum exército é chave da paz. Nenhuma nação tem a chave de nada que não seja a guerra. O poder não tem nada a ver com paz. Quanto mais os homens aumentam o poder militar, mais violam e destroem a paz”.
Acompanhei e compartilhei com os veteranos da guerra do Vietnã, em particular Brian Wilson e seus companheiros que foram vítimas dessa guerra e de todas as guerras.

A vida tem esse não sei o quê do imprevisto e surpreendente fragrância e beleza que Deus nos deu para toda a humanidade e que devemos proteger para deixar às gerações futuras uma vida mais justa e fraterna, reestabelecendo o equilíbrio com a Mãe Terra.

Se não reagirmos para mudar a situação atual de soberba suicida que está arrastando os povos a abismos profundos onde morre a esperança, será difícil sair e ver a luz; a humanidade merece um destino melhor. Você sabe que a esperança é como o lótus que cresce no barro e floresce em todo seu esplendor mostrando sua beleza.

Leopoldo Marechal, esse grande escritor argentino, dizia que: “do labirinto, se sai por cima”.

E creio, Barack, que depois de seguir tua rota errando caminhos, você se encontra em um labirinto sem poder encontrar a saída e te enterra cada vez mais na violência, na incerteza, devorado pelo poder da dominação, arrastado pelas grandes corporações, pelo complexo industrial militar, e acredita ter todo o poder e que o mundo está aos pés dos EUA porque impõem a força das armas e invade países com total impunidade. É uma realidade dolorosa, mas também existe a resistência dos povos que não claudicam frente aos poderosos.

As atrocidades cometidas por teu país no mundo são tão grandes que dariam assunto para muita conversa. Isso é um desafio para os historiadores que deverão investigar e saber dos comportamentos, políticas, grandezas e mesquinharias que levaram os EUA á monocultura das mentes que não permite ver outras realidades.

A Bin Laden, suposto autor ideológico do ataque às torres gêmeas, o identificam como o Satã encarnado que aterrorizava o mundo e a propaganda do teu governo o apontava como “o eixo do mal”. Isso serviu de pretexto para declarar as guerras desejadas que o complexo industrial militar necessitava para vender seus produtos de morte.

Você sabe que investigadores do trágico 11 de setembro assinalam que o atentado teve muito de “auto golpe”, como o avião contra o Pentágono e o esvaziamento prévios de escritórios das torres; atentado que deu motivo para desatar a guerra contra o Iraque e o Afeganistão, argumentando com a mentira e a soberba do poder que estão fazendo isso para salvar o povo, em nome da “liberdade e defesa da democracia”, com o cinismo de dizer que a morte de mulheres e crianças são “danos colaterais”. Vivi isso no Iraque, em Bagdá, com os bombardeios na cidade, no hospital pediátrico e no refúgio de crianças que foram vítimas desses “danos colaterais”.

A palavra é esvaziada de valores e conteúdo, razão pela qual chamas o assassinato de “morte” e que, por fim, os EUA “mataram” Bin Laden. Não trato de justificá-lo sob nenhum conceito, sou contra todas as formas de terrorismo, desde a praticada por esses grupos armados até o terrorismo de Estado que o teu país exerce em diversas partes do mundo apoiando ditadores, impondo bases militares e intervenção armada, exercendo a violência para manter-se pelo terror no eixo do poder mundial. Há um só eixo do mal? Como o chamarias?

Será que é por esse motivo que o povo dos EUA vive com tanto medo de represálias daqueles que chamam de “eixo do mal”? É simplismo e hipocrisia querer justificar o injustificável.

A Paz é uma dinâmica de vida nas relações entre as pessoas e os povos; é um desafio à consciência da humanidade, seu caminho é trabalhoso, cotidiano e portador de esperança, onde os povos são construtores de sua própria vida e de sua própria história. A Paz não é dada de presente, ela se constrói e isso é o que te falta meu caro, coragem para assumir a responsabilidade histórica com teu povo e a humanidade.

Não podes viver no labirinto do medo e da dominação daqueles que governam os EUA, desconhecendo os tratados internacionais, os pactos e protocolos, de governos que assinam, mas não ratificam nada e não cumprem nenhum dos acordos, mas pretendem falar em nome da liberdade e do direito. Como pode falar de Paz se não quer assumir nenhum compromisso, a não ser com os interesses de teu país?

Como pode falar da liberdade quanto tem na prisão pessoas inocentes em Guantánamo, nos EUA e nas prisões do Iraque, como a de Abu Graib e do Afeganistão?

Como pode falar de direitos humanos e da dignidade dos povos quando viola ambos permanentemente e bloqueia quem não compartilha tua ideologia, obrigando-o a suportar teus abusos?

Como pode enviar forças militares ao Haiti, depois do terremoto devastador, e não ajuda humanitária a esse povo sofrido?

Como pode falar de liberdade quando massacra povos no Oriente Médio e propaga guerras e tortura, em conflitos intermináveis que sangram palestinos e israelenses?

Barack, olha para cima de teu labirinto e poderá encontrar a estrela para te guiar, ainda que saiba que nunca poderá alcançá-la, como bem diz Eduardo Galeano. Busca a coerência entre o que diz e faz, essa é a única forma de não perder o rumo. É um desafio da vida.

O Nobel da Paz é um instrumento ao serviço dos povos, nunca para a vaidade pessoal.

Te desejo muita força e esperança e esperamos que tenha a coragem de corrigir o caminho e encontrar a sabedoria da Paz.

Adolfo Pérez Esquivel, Nobel da Paz 1980.


Buenos Aires, 5 de maio de 2011


Do sítio Carta Maior

quarta-feira, 27 de abril de 2011

Uma nova ordem mundial?

Muito bom artigo do teólogo Leonardo Boff, que transcrevo logo abaixo. As rebeliões populares no mundo árabe não ficarão restritas àquele canto do mundo... já se estendem a outros rincões... do primeiro mundo! É uma nova ordem mundial que começa a tomar corpo até mesmo dentro dos EUA e de países da rica Europa! Parece que os trabalhadores, sejam eles da Tunísia ou da Grécia , sejam eles de Madrid ou Wisconsin, estão cansados de sustentar calados um sistema que só faz historicamente expropriar em favor dos ricos (que ficam cada vez mais ricos), dos grandes bancos globais e dos especuladores sanguessugas.

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O mesmo mundo, a mesma dor


Por Leonardo Boff


A globalização trouxe uma externalidade, quer dizer, um efeito não desejado e incômodo para o sistema de poder imperante, fundado no individualismo: a conexão de todos com todos, de sorte que os problemas de um povo se tornam significativos para outros em sitação semelhante. Então se estabelecem laços de solidariedade e surge uma comunidade de destino.

É o que está ocorrendo com os levantes populares, mormente animados por jovens universitários, seja no mundo árabe seja em nove estados do Meio Oeste norte-americano começando por Wisconsin. Estes levantes nos EUA quase não repercutiram em nossa imprensa, pois, não interessa a ela mostrar a vulnerabiliade da potência central em franca decadência. Um jovem egípcio levanta um cartaz que diz:”o Egito apoia os trabalhadores de Wisconsin: o mesmo mundo, a mesma dor”. Como num eco, um estudante universitário estadounidense, voltando da guerra do Iraque levanta o seu cartaz com os dizeres:”Fui ao Iraque e voltei à minha casa no Egito”. Quer dizer, quer participar de manifestações nos EUA semelhantes aquelas no Egito, na Líbia, na Tunísia, na Síria e no Yemen.
Quem imaginaria que em Madison, capital de Wisconsin, com 250.000 habitantes, conhecesse uma manifestação de 100.000 pessoas vindas de outras cidades norte-americanas para protestar contra medidas tomadas pela governador que atam as mãos dos sindicatos nas negociações, aumenta os impostos da saúde e diminui as pensões? O mesmo ocorreu em Michigan onde o governador conseguiu fazer aprovar pelo parlamento estadual, uma esdrúxula lei que lhe permitiu nomear uma empresa ou um executivo com o poder de governar todo o aparato do governo estadual. Isentou em 86% o imposto das empresas e aumentou em 31% aquele dos contribuintes pessoais. Tudo isso porque os assaltantes de Wall Street além de saquearam as pensões e as economias da população, quebraram os planejamentos financeiros dos Estados. E a população mais vulnerável é obrigada a pagar as contas feitas por aqueles ladrões do mercado especulativo que mereciam estar na cadeia por falcatruas contra a economia mundial.

Conseguiram para eles uma concentração de riqueza como nunca vista antes. Segundo Michael Moore, o famoso cineasta, em seu discurso em apoio aos manifestantes em Wisconsin: atualmente 400 norte-amerianos tem a mesma quantia de dinheiro que a metade da população dos EUA. Enquanto um sobre três trabalhadores ganha 8 dólares/hora (antes era 10/hora), os executivos das empresas ganham 11.000 dólares/hora sem contar benefícios e gratificações. Há um despertar democrático nos EUA que vem de baixo. Já não se aceita esta vergonhosa disparidade. Condenam os custos das duas guerras, praticamente perdidas, contra o Iraque e o Afeganistão, que são tão altos a ponto de levarem ao sucateamento das escolas, dos hospitais, do transporte público e de outros serviços sociais. Há 50 milhões sem nenhum seguro de saúde e 45 mil morrem anualmente por não haver agenda para um diagnóstico ou tratamento.

O mundo árabe está vivendo uma modernidade tardia, aquela que sempre propugnou pelos direitos humanos, pela cidadania e pela democracia. Como a maioria dos paises é riquísima em petróleo, o sangue que faz funcionar o sistema moderno, as potências ocidentais toleravam e até apoiavam os governos ditatoriais e tirânicos. O que interessava a elas não era o respeito à dignidade das pessoas e a busca de formas democráticas de participação. Mas pura e simplesmente o petróleo. Ocorre que os meios modernos de comunicação digital e o crescimento da consciência mundial, em parte favorecida e tornada visível pelos vários Forums Sociais Mundiais e Regionais, acenderam a chama da democracia e das liberdades.

Uma vez despertada, a consciência da liberdade jamais poderá ser sufocada. Os tiranos podem fazer os súditos cantarem hinos à liberdade mas estes sabem o que querem. Querem eles mesmos buscar a liberdade que nunca é concedida mas sempre conquistada mediante um penoso processo de libertação. Agora é hora e a vez dos árabes.

sábado, 19 de março de 2011

Uma verdade inconveniente: reatores nucleares não duram 40, 60 anos...

Para quem ainda defende a energia nuclear, seria bom uma leitura desapaixonada do artigo abaixo... Só lembrando, Fukushima era tida com uma usina super moderna e à prova até mesmo de terremotos... Não foi isso que se viu na prática
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Professora da USP alerta: dizer que os reatores nucleares duram, em média, 40, 60 anos é blefe 


Por Conceição Lemes*


Há no mundo 441 reatores nucleares em funcionamento. Estados Unidos são os que têm mais – 104. Seguem-se França (58), Japão (55), Federação Russa (32) Coréia (21), Índia e Inglaterra (19 cada), Canadá (18), Alemanha (17), Ucrânia (15), China (13), Suécia (10), Espanha (8), Bélgica (7), República Checa (7), Finlândia, Hungria e República Eslovaca (4 cada).
Vários países têm dois reatores: Argentina, Brasil, Bulgária, Paquistão, México, Romênia e África do Sul. Eslovênia, Armênia e Holanda possuem um.
Há 61 reatores em construção. Boa parte na China (24) e Federação Russa (11). Coreia tem cinco e Índia, quatro. Bulgária, Japão, República Eslovaca, Ucrânia, dois. Argentina, Brasil, França, Paquistão, Estados Unidos, Finlândia e Irã. Isso sem contar os muitos projetados – só no Brasil, 50 para os próximos 50 anos.
Esse novo impulso da energia nuclear está alicerçado em alguns fatores, especialmente estes:
1) Até as explosões dessa semana no complexo de Fukushima, Japão, acidente grave em usina nuclear já era história, memória, vaga lembrança. Dos 191 milhões de brasileiros, cerca de 80 milhões sequer eram nascidos quando houve o de Chernobyl, em 1986, Ucrânia (então parte da extinta União Soviética), considerado ainda o maior da história.
2) O modelo teórico de que o tempo de vida útil de um reator atômico é de 40 anos, prazo que foi estendido por mais 20. Ou seja, um reator duraria 60 anos.
3) A informação de alguns especialistas de que o reator seria a fonte produtora de energia que emitiria menos C02 (gás carbônico) na atmosfera, produzindo menos efeito estufa. Consequentemente, seria útil para reduzir o aquecimento global.
“Acontece que informações mais recentes revelam realidade diferente, geralmente omitida pelos defensores da energia nuclear”, alerta a professora Emico Okuno, doDepartamento de Física Nuclear do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP). “Para começar, não procede que o tempo médio de vida de um reator é 40 anos, 60 então nem fala. Isso é blefe.”
NOS EUA, OS REATORES DURAM, EM MÉDIA, 18,9 ANOS
Com base em modelos matemáticos, se estabeleceu que um reator tem vida útil média de cerca de 40 anos, agora de 60. É em cima desse prazo que se fixa o custo da energia nuclear.
Só que a prática está mostrando que eles duram muito menos. Dados até 2008 revelam que o tempo médio de vida dos reatores nos Estados Unidos é de 13,9 anos. Tempo máximo, 34 anos. E o mínimo, 1 ano. Lá, três funcionaram apenas um ano; e nove, em média, 7,6 anos.
“Eles foram fechados ou porque não eram economicamente viáveis ou porque tiveram algum tipo de problema”, diz a professora Emico. “Só os grandes acidentes tornam-se públicos, os menores, e eles ocorrem com frequência, não chegam à mídia.”
Na Alemanha, o tempo médio de vida dos reatores é de 13,8 anos. Tempo mínimo, 1 ano. Tempo máximo, 47 anos.
Na França, o tempo médio é de 19,6 anos. O mínimo, 9 anos. O máximo, 24.
Os do Reino Unido são os de vida mais longa: 34,7 anos, em média; mínimo, 18 anos; máximo, 47 anos.
“Portanto, a história de 40 e 60 anos, em média, é balela”, reforça a professora Emico, que, diga-se de passagem, não teve acesso a informações privilegiadas. “Elas estão no site da Agência Internacional de Energia Atômica, para quem quiser acessar. O que eu fiz foi analisar esses dados. As pessoas favoráveis à energia nuclear não mentem, mas elas também não contam, pois isso não lhes interessa dizer.”
Por falar nisso, quando termina a vida útil de um reator, ele tem de ser “destruído”. Esse processo chama-se descomissionamento. É a construção do reator ao contrário. Demora 60 anos para ele ser descomissionado totalmente e transformado num parque público. Isso sem contar o lixo radioativo de alta atividade que é o combustível exaurido produzido ao longo da existência dele.
O dinheiro gasto para o reator ser “destruído” é quase igual ao empregado para construí-lo. E quem paga essa conta? O governo ou a concessionária? Isso provavelmente não está escrito em lugar algum. É uma briga das boas.
CADEIA PRODUTIVA DE ENERGIA NUCLEAR PRODUZ MAIS CO2 DO QUE AHÍDRICA
“A informação de que a energia nuclear provocaria menor emissão de CO2 parece também que não é verdadeira”, observa a professora Emico. “Novos estudos indicam que a energia nuclear é mais poluente do que a hídrica.”
De uns três anos para cá, cientistas fizeram cálculos matemáticos dos níveis de emissão de CO2 das diferentes fontes de produção de energia. A partir daí elaboraram uma escala, indo do mais ao menos poluente. Em primeiro lugar, está o carvão, em segundo, o óleo combustível, em terceiro, gás, em quarto, a energia hídrica. Em seguida, energia solar, eólica, biomassa e – a menos produtora de CO– energia nuclear. Detalhe: esses autores consideraram a emissão de CO2 apenas no reator.
Mais recentemente outros cientistas decidiram levar em conta não apenas a emissão de CO2 no reator, mas em toda a cadeia produtiva para se obter a energia nuclear. Ou seja, desde a exploração do urânio na mina – é preciso dinamitá-la – até o seu enriquecimento para ser usado no reator como combustível.
Para se ter uma noção dessa cadeia, o urânio explorado no Brasil (quarta reserva do mundo) é extraído em Caetité (BA). Aí, é transformado em yellow cake, um pó amarelo. Via porto de Salvador, vai para o Canadá, onde é transformado em gás. Do Canadá vai para a França, para ser enriquecido. De lá, volta ao Brasil, para ser transformado em pastilhas, que serão usadas nos reatores de Angra 1 e Angra 2, no Rio de Janeiro. Há informações de que o Brasil já detém a tecnologia para fazer tudo isso aqui. De qualquer forma, o urânio teria de passar por etapas.
Pois bem, há estudos revelando que toda essa cadeia produtiva acaba produzindo mais CO2 do que a energia hídrica. Assim, a energia nuclear ocuparia o quarto lugar em termos de poluição e a energia hídrica, a quinta.
“Na verdade, todas as formas de energia têm algum tipo de problema”, pondera a professora. “A energia hídrica é limpa, mas leva à inundação de grandes áreas. Já a energia solar ainda é muito cara.”
E qual a posição da professora Emico Okuno em relação aos reatores nucleares?
“França e Japão, por exemplo, não têm muita alternativa. Já o Brasil, por enquanto, não precisa de reator para geração de energia”, expõe. “O Brasil tem condições de produzir muita energia a partir da energia hídrica, eólica, solar. No Nordeste do Brasil, há sol para dar e vender.”
“O Brasil, porém, precisa de reator nuclear para produção de materiais radioativos, para uso na Medicina”, defende a professora. “É para não ficarmos reféns de outros países, como aconteceu no ano passado. O reator do Canadá que fornecia radioisótopos teve de fechar. Praticamente o mundo inteiro ficou na mão. O Brasil conseguiu um pouco com a Argentina. Mas o conveniente é que tenhamos a nossa própria produção de material radioativo para fins médicos.”
Quando há um grave acidente nuclear, a discussão sobre os reatores reacende. Foi assim pós Three Mile Island, Pensilvânia, EUA, em 1979. Depois, pós Chernobyl. Com Fukushima não será diferente. A diferença é que agora há informações mais precisas para o debate. Por exemplo, considerando que duram muito menos do que se supunha, será muitos mais  serão construídos? Será que do ponto de vista econômico se justificam, já que têm menor tempo de vida? E do ponto de vista ambiental, considerando que possivelmente sejam mais poluentes do que as energias hídrica, eólica, solar e a biomassa?
O fato é que por mais seguros que os reatores sejam, eles têm um risco. Fukushima está aí para nos fazer refletir. Infelizmente.
*Matéria publicada originalmente no Vi o mundo.