(Ao mestre Cleomar Brandi)
Foi num domingo de tempo ameno e calmo que o velho Lobo do Mar descansou. Tinha de ser num domingo, dia dos bons pra uns conhaques ao cair da tarde na praia de Atalaia, ao som do quebrar das intermináveis ondas salobras, sentindo o vento e a maresia que encrespava sua barba e cabelos grisalhos, do tom dos que viveram intensamente a vida e têm muitas histórias pra contar. E boêmio como ninguém, histórias pra contar ele tinha. Ah, como tinha!
Em seu “cavalo de rodas”, feito um bravo Quixote, o velho Lobo cruzou essa Aracaju de cabo a rabo, não em busca de ilusórios moinhos de vento, mas do aconchego dos amigos verdadeiros, de bares inebriantes e sonhos etílicos. Madrugou muitas madrugadas, bebeu conhaques dos bons, cantou muitas canções, fez poesia, amou, foi amado e alegrou a vida de muitos! Nesta vida, pescou muitos amigos!
Foi-se o velho Lobo do Mar. Descansou o guerreiro. Partiu pra outra, depois de tantas e árduas lutas contra o danado do câncer, que muito o maltratou, mas jamais lhe tirou o ânimo e a vontade de viver e de curtir cada dia como se fosse o último. Colheu o dia, aproveitou cada momento... Carpe diem!
O velho Lobo se foi num domingo, levado pela “mulher de foice” que tanto temia, mas que jamais deixou de encarar de frente e com coragem, todos os dias, na luta renhida contra o diacho do câncer, e caçoou dela muitas vezes, quando tinha de voltar de onde veio sem a “encomenda”.
E, quem diria, até nessa hora tinha de ser uma mulher a lhe levar nos braços, para sempre, para cama do além... Se fizeram amor depois, não sei, mas é bem capaz que até ela tenha sucumbido, como muitas e felizes mulheres, aos seus encantos e seduções. Eita Lobo velho que sabia seduzir!
Com sua morte, o domingo foi melancólico e triste, mas de uma melancolia e tristeza diferentes, porque o velho Lobo não queria choro de jeito maneira... Vela, tudo bem! Mas choro, nem pensar! Queria os amigos por perto, velando-lhe a alma sem choradeira, bebericando conhaque e cerveja, com cantorias, ao som de um violão debulhando as boas músicas da vida, como se estivessem todos no Camilo, no Pastelão ou na Confraria dos Cajueiros.
E varou-se a madrugada assim...
Apesar do desejo de muitos de retardar a despedida, de ficar muito mais tempo em sua companhia, mesmo que para apenas vê-lo ali, tranquilo, dormindo seu sono eterno, não teve jeito. Bateu as 4 da tarde. O tempo não pára, já dizia o poeta... Era chegada a fatídica hora da despedida final. Hora de enterrar o velho Lobo, o velho Lobo do Mar.
E ele se foi, sepultado ao som de um blues... E choveu, como se o choro contido de muitos até ali, de repente, resolvesse todo ele desaguar dos céus. E como se não bastasse, um maravilhoso arco-íris se formou ao longe, como a reverenciar sua chegada sabe-se lá onde... Nada mais enigmático e belo!
Não chorei, porque me sentia preenchido por boas lembranças e porque achava que seria um insulto à sua alegria de viver. Mas os que não se contiveram e choraram – contrariando o último desejo do velho Lobo – têm a minha compreensão, porque não ouvir mais a sua voz rasgada e festiva, não poder partilhar do seu sorriso largo e sincero, da sua presença espirituosa, da sua amizade sincera, do seu entusiasmo inabalável pela vida, não poder tirar lições cotidianas do seu profissionalismo exemplar, da sua ética inflexível e do seu jornalismo honesto, é duro, muito duro!
E como não chorar ao ler as últimas linhas de sua última crônica? “Um dia, o velho barril de carvalho pinga sua última gota de conhaque. E o poeta se despede de tudo, sem tristezas nem vexames. Apenas sabendo que cumpriu seu papel com dignidade, com honestidade e com um brilho de criança nos olhos. Quem sabe, eu encontre o amarelo dos girassóis nesse novo caminho?”, escreveu, em despedida.
O velho Lobo do Mar se foi... um brinde à sua memória, um brinde à vida!
(Agradeço ao amigo Gilson Sousa pela foto)
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