sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Crise econômica global, guerra econômica e gasto militar

Excepcional artigo do economista cubano Osvaldo Martinez. Essencial para entendermos o que está em jogo, neste momento, no tabuleiro nas nações e o que pode vir pela frente, a curto prazo: uma guerra militar global, puxada pelos Estados Unidos, na tentativa de salvar a sua decadente economia do colapso. Mas uma guerra global nas condições militares atuais significa uma guerra nuclear; portanto, sobrará quem e para usufruir do quê???

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CRISE ECONÔMICA GLOBAL, GUERRA ECONÔMICA E GASTO MILITAR


A estrutura do orçamento dos Estados Unidos e a lógica de sua política econômica, com Bush e Obama, é a de uma economia de guerra na qual o gasto militar exacerba o déficit fiscal, mas permite o funcionamento de um “equilíbrio do terror financeiro”, repassa imensos lucros ao complexo militar industrial e mantém uma chantagem global baseada na força militar.

Por Osvaldo Martinez*


Uma simples olhada no orçamento de 2010 dos Estados Unidos permite examinar a magnitude do gasto militar e o papel que este joga em conjunto com o gasto para os pacotes de resgate dos bancos e entidades financeiras quebradas. O montante do orçamento é de 3,94 trilhões de dólares e o déficit previsto é de 1,75 trilhão, equivalente a quase 12% do PIB. (1)

O gasto militar oficial é de 739,5 bilhões de dólares, embora se forem incluídos outros gastos indiretos ou encobertos, o gasto superaria 1 trilhão de dólares. O gasto no resgate das entidades financeiras falidas na crise, efetuado pelas administrações de Bush e Obama alcança 1,45 trilhão, enquanto que os juros devidos pela dívida pública são de 164 bilhões de dólares.

Isto significa que quase toda a receita do orçamento (2,38 trilhões) se consome somente pelo gasto militar mais os resgates da oligarquia financeira e uma pequena proporção por juros da dívida pública. Não fica praticamente nada para outros tipos de gastos.

Se considerarmos que o gasto militar ronda o trilhão de dólares e que a parte da receita orçamentária correspondente aos impostos familiares é de 1,06 trilhão, temos que quase todos os impostos pagos pelas famílias nos Estados Unidos mal dão para cobrir o enorme gasto militar.

Os Estados Unidos são o país mais endividado do mundo, embora o significado prático disto seja diferente para este país que para qualquer outro, porque se encontra endividado na moeda nacional que ele mesmo cria e faz circular.

O financiamento da enorme dívida pública federal ascendente a 14 trilhões de dólares, sem incluir dívidas dos estados e municípios é de características surrealistas.

Para o crescimento dessa dívida pública contribuíram os pacotes de resgate aos bancos, mas essa dívida é financiada por uma retorcida operação mediante a qual o governo financia seu próprio endividamento, pois o dinheiro dado como resgate aos bancos é financiado em parte tomando empréstimos aos mesmos bancos.

Por sua vez, os bancos impõem condicionalidades ao governo no manejo da dívida e como o dinheiro deve ser empregado. Depois de terem sido “resgatados” os bancos exigem cortes maciços no gasto público em serviços para a população, a privatização de infraestruturas e serviços como água, rodovias, lazer, mas não se toca no gasto militar.
E não se toca porque “War is Good for Business” (A guerra é boa para os negócios) e a mesma oligarquia que maneja o mercado financeiro obtém elevados lucros procedentes do gasto militar. E esse gasto militar - como parte do déficit público - é financiado por operações de guerra econômica que se aquecem cada vez mais e ameaçam mesclar a guerra econômica com a guerra provavelmente nuclear que os Estados Unidos incubam na complexa meada de seus interesses e contradições econômicas e geoestratégicas.

O equilíbrio do terror financeiro

A peculiar estrutura mediante a qual os Estados Unidos atuam como uma economia parasitária que financia seus déficits e seu gasto militar recebendo injeções financeiras do resto do mundo é parte da “normalidade” da ordem econômica global. Ter reservas monetárias em dólares que se reciclam para comprar bônus ou outros instrumentos do Tesouro que financiam a dívida estadunidense, e com ela a escalada militar, é considerado pelos neoliberais como uma manifestação do equilíbrio de mercados livres.

O poder midiático apresenta esta reciclagem como resultado da confiança na fortaleza econômica dos Estados Unidos porque outros países enviam para lá seus dólares para ser investidos. (2)

O real é que os estrangeiros põem seu dinheiro nos Estados Unidos não porque sejam importadores de mercadorias desse país, nem tampouco são investidores privados comprando ações ou bônus. Os maiores aplicadores de dinheiro nos Estados Unidos são os bancos centrais que não fazem outra coisa senão reciclar os dólares que seus exportadores obtiveram e por sua vez cambiaram por moedas nacionais.

Com déficits comercial e fiscal crescentes nos Estados Unidos, se produz uma inundação de dólares para o exterior, que agora são impulsionados pela baixa taxa de juros norte-americana e pela emissão alegre de papéis verdes.

Os países receptores de dólares (a China em especial) se vêem colocados diante de um dilema. Não participam nem têm influência alguma sobre decisões econômicas do governo dos Estados Unidos, que se aproveita do privilégio do dólar. Se aceitam a inundação de dólares, seja por excedentes comerciais ou pela baixa taxa de juros norte-americana ou por ambos os fatores, sofrem a pressão para a elevação da sua taxa de câmbio, a perda de competitividade comercial e o perigo de deixar aninhar perigosos capitais especulativos de curto prazo.

Para evitar essa inundação, a conduta imposta é comprar papéis de dívida emitidos pelo governo norte-americano e acumulá-los nas reservas monetárias, sofrendo o perigo de que qualquer desvalorização do dólar seja uma desvalorização de suas reservas. À China ou a outros países que acumulam grandes volumes de dólares ou de papéis da dívida norte-americana denominados em dólares, não se lhes permite comprar ativos não financeiros nos Estados Unidos. Quando a China tentou (a compra de instalações para a distribuição de combustíveis) o governo dos Estados Unidos o proibiu. Nesse caso não valem o livre fluxo de capitais, o livre comércio e a retórica habitual. Só podem comprar ativos financeiros para financiar os déficits estadunidenses.

Ao comprar os bônus do Tesouro os países entram no “equilíbrio do terror financeiro” e passam a contribuir para financiar um destino não previsto nem desejado: o gasto militar do Pentágono.

Ocorre assim para os países receptores de dólares surgidos dos déficits norte-americanos, uma dupla compreensão. São lesionados ao ver-se estruturalmente empurrados a financiar passivamente a máquina militar norte-americana por meio de um “equilíbrio do terror financeiro” baseado não em sua superioridade econômica, mas no poderio militar. E ao fazê-lo, países como a China e a Rússia estão alimentando o mesmo gasto e poderio militar que aponta armas nucleares para eles.

O maciço gasto militar tem um objetivo geoestratégico hegemônico e sua lógica última é a guerra.

Não poucas pessoas nos Estados Unidos crêem nas virtudes de estímulo econômico que uma guerra pode trazer. Recordam com nostalgia que a guerra hispano-cubano-americana, a primeira guerra da etapa imperialista, serviu em 1898 para que os Estados Unidos escapassem da crise econômica daquela década. O que foi a Segunda Guerra Mundial? Esta finalmente provocou a suficiente destruição de forças produtivas para deixar para trás a Grande Depressão e abrir caminho aos dourados anos 1950. A recessão de finais dos anos 1940 foi superada com a ajuda da guerra da Coréia.

Esta nostalgia, que incrementa o perigo de uma catastrófica guerra nuclear, ignora que aquelas guerras convencionais correspondentes à época pré-nuclear poderiam atuar como estímulos anticrises, mas a guerra atual da era nuclear perdeu essa capacidade.

As guerras com armas convencionais tinham duas virtudes como reanimadoras da economia: mediante a produção maciça de armamento convencional para atender pedidos do Estado em guerra, se gerava emprego nas cadeias produtivas de então, e também a guerra convencional acelerava a destruição de forças produtivas que a crise econômica tinha iniciado, e levava ao nível suficiente para impulsionar a recuperação sobre a base da reconstrução do pós-guerra. A destruição era a suficiente para completar e acelerar o peculiar papel da crise econômica como destruidora de riqueza para iniciar depois outra fase expansiva e não era tanta ao ponto de ameaçar a vida da espécie humana e do planeta. Era possível para o capitalismo não só sobreviver, mas utilizar a guerra como tônico estimulante para a economia.

A guerra nuclear na atual etapa não seria estimulante frente ao principal problema orgânico da crise que é o desemprego, pois agora a tecnologia sofisticada para fabricar armas utiliza muito pouca força de trabalho, mas sua capacidade destrutiva é tão formidável que o destruído não seriam fábricas, capitais financeiros ou algumas cidades, mas o planeta e a espécie humana depois do cataclismo do inverno nuclear.

A guerra atual, se é guerra convencional de desgaste como a do Iraque e do Afeganistão, não pode ser ganha pelos Estados Unidos nem é estimulante para sair da crise econômica, se é guerra nuclear que se estabelece como ameaçadora possibilidade, tampouco serviria para sair da crise porque não eliminaria o grande problema do desemprego, mas serve para fazer grandes negócios a partir do tipo de gasto público que se maneja com total opacidade e falta de critério, o gasto no qual os Bernanke, Geithner, Summers, Strauss Kahn, nada decidem: o gasto militar, o qual é capaz de reunir em si mesmo a ambição hegemônica e o super lucro do grande negócio.

Para os Estados Unidos, debilitado economicamente e com uma cultura produtiva declinante, o recurso de última instância é a ameaça constante de guerra sustentada no gasto militar crescente. Mas, a ameaça constante de guerra e o gasto militar possuem uma dinâmica diabólica que tende a realizar-se na guerra real, quando convergem a mentalidade belicista, os conflitos pela hegemonia em petróleo, gás, água etc., disfarçados de razões humanitárias ou religiosas e a crença de que na guerra nuclear pode haver vencedores.
O declínio da economia da maior potência militar apresenta fortes tensões entre um poderio militar muito superior a qualquer outro e, pela mesma razão, ambicioso de hegemonia, e uma economia em retrocesso, que exportou boa parte de sua capacidade industrial, mergulhou no parasitismo financeiro, se acomodou no consumismo do produzido por outros e perdeu a cultura produtiva que alguma vez foi relevante. Alguns assinalam que seguindo essas tendências, o país que ao terminar a Segunda Guerra Mundial dominava a economia mundial com sua capacidade produtiva, se encaminha a consumir os produtos do exterior e a exportar somente filmes, espetáculos musicais, imagens glamorosas de um consumismo insustentável e armas.

O atraso econômico frente aos ritmos de crescimento da China e não só dela, mas do chamado BRIC+3 (Indonésia, Coréia do Sul, Malásia) é também uma fonte de tensões. Ao ritmo que crescem estes países chamados emergentes, seu PIB chegará em 2020 ao que agora tem o G-7.
As tendências apontam para o retrocesso econômico dos Estados Unidos e a previsível utilização da força militar para manter a posição dominante da segunda metade do século 20.

Essas tensões se manifestam nas guerras no Iraque, Afeganistão, Paquistão, na ameaça de guerra nuclear contra o Irã e a Coréia do Norte e também nos golpes e intentos de golpes de estado na América Latina (Honduras, Venezuela, Equador, Bolívia); adicionalmente, na crescente militarização na forma de instalação de bases militares norte-americanas em escala global e na conformação de uma doutrina de guerra que inclui, entre outras coisas, a perigosa redefinição das bombas nucleares “pequenas” - podem oscilar entre a metade e até 6 vezes a capacidade da bomba de Hiroshima - como armas que fazem parte de um menu de opções cuja utilização pode em teoria, ser decidida pelo comando no teatro de operações. Significa que um general no teatro de operações dispõe de uma “caixa de ferramentas” para escolher, na qual tem disponíveis mini bombas nucleares que poderia utilizar como o faria com os blindados, a artilharia etc.

Rumo à guerra econômica?

Nas últimas semanas a economia mundial está fervilhando com as noticias sobre a guerra das divisas. Esta guerra foi preocupação central da reunião de ministros das Finanças do FMI em 23 de outubro e de novo, assim como em todas as Cúpulas do G-20 realizadas depois do início desta crise global, foram reiteradas as solenes declarações de compromisso com o “livre comércio” e a não aplicação de barreiras ao funcionamento dos mercados.

Nestas primeiras escaramuças de uma possível guerra se vêem com clareza os contendores. Por um lado, os Estados Unidos tratando de reanimar sua economia a todo custo, aproveitando-se do fato de contar com a moeda de reserva internacional que é também sua moeda nacional. Ademais, lança uma torrente de dólares para o exterior a fim de desvalorizar o dólar, melhorar sua posição competitiva e ao fazê-lo, elevar as taxas de câmbio dos demais, prejudicá-los no comércio, fazê-los reciclar os dólares comprando instrumentos da dívida norte-americana. Por outro, o restante das economias do mundo, em especial os exportadores de matérias primas do Sul, os que além do que foi dito acima, sofrem a afluência de capitais especulativos voláteis impulsionados pela baixa taxa de juros que os Estados Unidos mantêm como instrumento sem êxito para reanimar o investimento.

A transformação destas escaramuças em uma verdadeira guerra ao estilo da ocorrida nos anos da Grande Depressão dependerá da profundidade e duração que alcance a crise global. Se ela se agravar, poderá ocorrer que a guerra das divisas venha a ser o prelúdio de uma guerra comercial com a aplicação de políticas nacionais de “empobrecer o vizinho” e o desaparecimento da retórica livre-cambista e os juramentos de fé no multilateralismo.

Para todos se tornou evidente que o governo dos Estados Unidos não faz outra coisa que aplicar o nacionalismo para resolver seus problemas internos, valendo-se do privilegio do dólar e encurralando os demais. Não seria estranho que esta conduta encontrasse a reciprocidade de outros e, no contexto de longa crise agravada, poderia explodir o sistema de regras e instituições que nasceu no pós-guerra prometendo não repetir jamais uma guerra comercial.

Crise econômica e tendências políticas

A crise global tem estado mais ligada com um giro para a direita do que com um fortalecimento das forças anticapitalistas.

A relação entre crise econômica e tendências políticas foi variada no século passado. Considerando somente as maiores crises econômicas e sua tradução em resultados políticos, estas incluíram um movimento de pêndulo para a esquerda nos anos da Primeira Guerra Mundial e para a direita nos anos da Grande Depressão.

A economia russa de 1917 sofria os estragos dos anos de guerra, mas também o impacto da crise econômica européia. O triunfo da Revolução de Outubro de 1917 foi associado à crise, ainda que, obviamente, somente ela não podia gerar esse triunfo histórico anticapitalista. Muitos outros fatores interagiram com a crise econômica, mas o resultado final foi que a situação extrema a que a guerra, a autocracia czarista e a crise tinham levado a população russa, foi captada, interpretada e dirigida por uma organização política que se propunha terminar com o capitalismo e construir o socialismo.

Nos anos 1930 do século passado a Grande Depressão foi a maior crise econômica até então ocorrida, mas o que predominou associado a ela foi o fortalecimento do fascismo. Na Alemanha a combinação de indenizações pagas aos vencedores na guerra anterior, a inflação galopante, eliminada por uma condução centralizada e fortemente controlada pelo Estado fascista, a eliminação do desemprego através de grandes obras públicas e a liderança de um fanático de direita, deu como resultado o fascismo no poder e a Segunda Guerra Mundial.

Nos Estados Unidos, na Europa e na América Latina houve nesses anos movimentos de esquerda e para a esquerda, mas não alcançaram vitórias estratégicas. Não existe uma determinação mecânica pelo qual o desemprego, a pobreza, a insegurança que uma crise econômica provoca, conduza o pêndulo para a esquerda.

A insegurança e inclusive o desespero que uma crise gera pode ser apropriada e conduzida para objetivos políticos pela esquerda ou pela direita, na dependência da leitura correta ou incorreta que façam as forças em disputa, das ações concretas e da capacidade da liderança.

Na crise atual não tem sido relevante até o momento a resistência aos efeitos e políticas associadas a elas, apesar do forte impacto no emprego e do custo social que alcançou.
A greve geral na Espanha em 29 de setembro e as manifestações francesas contra a política do FMI de ajuste fiscal, são noticias a acompanhar, mas simultaneamente se fortalece a direita nos Estados Unidos e na Europa, enquanto que na América Latina se desenvolve uma contra-ofensiva imperialista contra os governos da ALBA.
Nos Estados Unidos o Tea Party avança no controle do Partido Republicano, e Obama sofre um forte voto de castigo, como expressão eleitoral do giro à direita de massas norte-americanas as quais estão se deslocando à direita pelo desemprego, a extensão da pobreza e a perda da habitação.

O Tea Party é um perigoso conglomerado em que se misturam a ignorância, e o primitivismo político com a intolerância, os preconceitos e a crença cega em ser o povo eleito para conduzir o mundo.

Sua ideologia é uma mixórdia fascistóide que inclui unir a Igreja e o Estado, eliminar os subsídios para o desemprego, expulsar os imigrantes, eliminar as ajudas para pessoas deficientes, considerar que a masturbação é equivalente ao adultério e, claro, reduzir os impostos, desmantelar o “grande governo” e destruir pela força a conspiração islâmico-russo-chinesa que obstaculiza o domínio mundial.

A Europa mostra tendências em similar direção. É de registrar que na Alemanha um partido racista e xenófobo poderia alcançar 15% dos votos. Na Itália a Liga Norte possui força. Na Holanda e na Suécia apesar de suas tradições de tolerância, partidos racistas têm chegado ao parlamento. Na França foram expulsos milhares de ciganos para a Romênia e a Bulgária, países membros da União Européia.

O movimento por um outro mundo, do Foro Social Mundial, perdeu força e se encontra atravessado por pugnas entre ONG’s de países do Norte financiadas por interesses políticos nada interessados em conquistar um mundo melhor, e movimentos sociais com posições de luta anticapitalista, em especial na América Latina.

A luta na França e na Espanha contra o ajuste fiscal neoliberal na época do neoliberalismo desprestigiado, pode marcar o início de um movimento de ascensão na resistência popular.

Parece mediar certo período entre a eclosão da crise e o aparecimento da mobilização social frente a elas, como se fosse necessário que o desemprego, a insegurança e a desesperança se aprofundassem suficientemente para lançar as pessoas ao protesto e à mobilização social. Assim ocorreu nos anos da Grande Depressão, pois somente em 1932-33, três anos depois da eclosão da crise, apareceu a pressão dos “de baixo”.

Para lutar por um mundo melhor e deixar para trás o capitalismo, a espécie humana tem que sobreviver e o planeta deve ser salvo. Para que os humanos sobrevivam é preciso deter a ameaça de guerra nuclear e para salvar o planeta deve cessar a agressão do mercado contra a natureza.

Frear a ameaça de guerra nuclear significa em termos imediatos desativar o plano de agressão ao Irã com a participação de Israel e no médio prazo, cortar o gasto militar que se combina de modo perverso com o declínio da economia norte-americana, para sustentar dois equilíbrios de terror: o financeiro e o militar. E para desperdiçar imensos recursos em máquinas, tecnologias e bombas para matar.


*Economista cubano

1) Michel Chossudovsky e Andrew Gavin Marchall. The Global Economic Crisis. (A Crise Econômica Global), em Global Research. 2010. Pág. 47-48.
2) Michael Hudson: The “Dollar Glut”. Finances America’s Global Military Build Up. (O “Excesso de Dólar”. As Finanças do Crescimento Militar Global da América), em The Global Economic Crisis. Capítulo 10.

Fonte: CubaDebate, LA HABANA, 16 de novembro de 2010.

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Concentração da mídia, controle social e o esperneio dos barões da comunicação

O que leva donos de jornais e outros veículos de mídia a destacarem seus “cães de guarda” mais adestrados e raivosos para atacar, de forma virulenta e rasteira, todos aqueles que buscam construir alternativas de democratização dos meios de comunicação? Por que o ataque colérico e a ojeriza quando se quer discutir controle social dos meios de comunicação? Afinal, os veículos prestam serviço à sociedade e a ela não quer dever satisfação? Por que uma proposta gestada de discussões democráticas, em processos de conferências públicas, não tem valor algum pra essa turma?

A resposta a estas perguntas? Porque essa gente tem medo de perder o poder em que se encastelaram e de onde controlam os seus negócios com mãos de ferro, produzindo comunicação sob a lógica pura e simples da mercantilização da informação.

Só mesmo o temor do desapoderamento para justificar a campanha sistemática orquestrada e operada pelas organizações midiáticas, de norte a sul do país, nas últimas semanas, contra a sociedade civil que luta por democratização da mídia e pela implantação de conselhos de Comunicação Social nos estados.

A Constituição Federal de 1988 prevê a instalação do Conselho de Comunicação Social (CCS) como órgão auxiliar do Congresso Nacional (Capítulo V), e abre espaço para que estados e municípios façam o mesmo, pois comunicação, como um direito humano, deve ter o mesmo tratamento, por parte do Estado, que os demais direitos constitucionais, como à Saúde, à Educação, à Assistência Social, entre outros, e que têm suas políticas públicas discutidas e gestadas em conselhos.

Partindo dessa lógica, nada mais correto que a comunicação ter conselhos que garantam a participação da sociedade, o controle social e a gestão democrática para incidir nas políticas e nos serviços públicos, para o planejamento e o acompanhamento da execução destas políticas e serviços em favor da coletividade.

E de onde vem a ideia de que um conselho com participação equânime de representantes da sociedade, inclusive os empresários, pode se transformar em organismo de censura e de cerceamento da liberdade de expressão? Vem exatamente daqueles que usam da manipulação da informação para perpetuar seus privilégios e não abrem mão de continuar dominando o setor como verdadeiros senhores feudais, com a ajuda dos seus vassalos nas redações de suas empresas.

Acostumados a invariavelmente ditar as regras do jogo e a buscar impedir o avanço de qualquer discussão sobre regulamentação para o setor, usam da mesma ladainha distorcida de sempre para pregar que toda e qualquer regulamentação teria caráter de censura à imprensa e de cerceamento da livre expressão dos cidadãos.

Foi assim com o projeto que criava o Conselho Federal de Jornalismo, foi assim para garantir a derrubada da Lei de Imprensa sem que nada ficasse em seu lugar, foi assim com a regulamentação da profissão de jornalista, foi assim com a terceira versão do Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3), e assim será com toda e qualquer proposta que crie óbices aos seus interesses privados e comerciais ou que aponte para a democratização do setor de comunicação no Brasil.

Quem censura mesmo?

Interessante notar que o ponto de sustentação do debate, para essa turma, é o mesmo de sempre: a censura aos meios de comunicação. Não deixa de ser cômica tal suposição. Quem tem o poder de censurar e de filtrar toda e qualquer informação dentro de um meio de comunicação, e todo mundo sabe disso, é o seu próprio dono ou seus controladores, quando não, os grandes anunciantes. São estes que ditam as regras a serem seguidas, determinam a linha editorial de um jornal, impõem suas listas de personae non gratae que não podem sair nos seus veículos – se saírem, é quase sempre em posição negativa –, criam uma autocensura nas suas redações que, se quebrada, geralmente redunda em demissão do autor de tal rebeldia. Que o digam Paulo Henrique Amorim, Rodrigo Viana, Luís Nassif, Franklin Martins, Ana Rita Kehl, só para citar alguns rebeldes “famosos”.

É interessante observar também como são tratados nos meios de comunicação as pessoas e os movimentos sociais que questionam e criticam o establishment. Todas são demonizadas, criminalizadas, a exemplo do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, sempre pautado, por lutar pela democratização da terra, como organismo de bandidos, terroristas, vagabundos, invasores e afins; assim como os movimentos negros, LGBTs, de mulheres, de direitos humanos, ambientalistas e tantos outros. Que espaços têm estes segmentos nos meios de comunicação para falarem sobre si mesmos de forma aberta e transparente de acordo com as suas visões de mundo e percepções da realidade cotidiana? Poucos ou quase nenhum. Isto é democrático? Onde fica a liberdade de expressão para estes grupos?
 
Dois latifúndios, a mesma realidade

Uma leitura mais aprofundada da realidade brasileira revela facilmente que dois dos maiores problemas estruturais e sociais do país se entrelaçam e se sustentam: a concentração de terras e a concentração dos meios de comunicação.

Fato é que o Brasil, em 510 anos de história, ainda não conseguiu resolver a chaga social que é a excessiva concentração de terras nas mãos de uns poucos iluminados. Ainda vivemos, em certa medida, num sistema muito próximo ao das capitanias hereditárias, onde a terra é privilégio de famílias abastadas que dominam grandes feudos, dela tiram sua riqueza e poder, e vão mantendo seus privilégios geração após geração. O Censo Agropecuário do IBGE 2006 dá a real dimensão da desigualdade. Um pequeno número de fazendas (0,91%) ocupa a maior parte do solo nacional (44,42%); enquanto a maior parte (2.477.071) se configura como pequenas propriedades limitadas a 2,36% do território nacional. São 5 milhões de famílias no Brasil à espera de terra para plantar e viver, enquanto cerca de 60% da terra agricultável no Brasil está nas mãos de pouco mais de 300 proprietários.

Paralela a essa nefasta realidade do predomínio do grande latifúndio agrário no Brasil, persiste um outro latifúndio igualmente nefasto: o midiático. A legislação, a falta ou descumprimento dela perpetuou no país o chamado “coronelismo eletrônico”, expressão precisa do sociólogo, jornalista e professor-doutor Venício A. de Lima para designar o vínculo da grande mídia às oligarquias políticas regionais e locais desde pelo menos a metade do século passado, resultando, hoje, no controle da informação restrito a cinco famiglias, que detêm as emissoras de TV cabeças de rede, inúmeras estações de rádio, portais de notícia, os grandes veículos impressos e as agências nacionais de notícia, formando poderosos oligopólios midiáticos que se capilarizam em todos os estados brasileiros.

E isso passando por cima da Constituição Federal, que prevê, em seu Artigo 220, II, § 5°, que “Os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio”. Por falta de lei regulamentadora, esse dispositivo é meramente figurativo para os donos da mídia.

Aliás, praticamente todo o Capítulo V da Constituição, referente à Comunicação Social, padece até hoje de regulamentação por pressão dos empresários e omissão do Congresso Nacional, onde, diga-se de passagem, as bancadas da mídia e a ruralista, que se articulam muito bem, cumprem com o papel de barrar toda e qualquer proposta neste sentido.

E é justamente para que as coisas assim permaneçam que sistematicamente os barões da mídia, com seus “cães de guarda”, seguem atacando toda e qualquer proposta que aponte para a democratização dos meios de comunicação no país.

Importante destacar que até mesmo nos Estados Unidos, onde o modelo de comunicação é totalmente privado, existe a figura dos conselhos reguladores, que no caso norte-americano é a Federal Communications Commition – FCC, o que aqui equivaleria ao CCS do Congresso Nacional. A FCC existe desde 1934 com uma dupla função: a de controlar a não-intromissão de uma frequência na outra, e também a de garantir o cumprimento de princípios como o respeito à dignidade humana, a igualdade e a pluralidade, e, veja só, fazer valer regras como a proibição da famigerada propriedade cruzada (a concentração de diferentes tipos de meios de comunicação por um mesmo grupo). Os Estados Unidos são uma ditadura? Lá a imprensa é censurada? Com a palavra, os donos da mídia no Brasil.