terça-feira, 9 de novembro de 2010

Concentração da mídia, controle social e o esperneio dos barões da comunicação

O que leva donos de jornais e outros veículos de mídia a destacarem seus “cães de guarda” mais adestrados e raivosos para atacar, de forma virulenta e rasteira, todos aqueles que buscam construir alternativas de democratização dos meios de comunicação? Por que o ataque colérico e a ojeriza quando se quer discutir controle social dos meios de comunicação? Afinal, os veículos prestam serviço à sociedade e a ela não quer dever satisfação? Por que uma proposta gestada de discussões democráticas, em processos de conferências públicas, não tem valor algum pra essa turma?

A resposta a estas perguntas? Porque essa gente tem medo de perder o poder em que se encastelaram e de onde controlam os seus negócios com mãos de ferro, produzindo comunicação sob a lógica pura e simples da mercantilização da informação.

Só mesmo o temor do desapoderamento para justificar a campanha sistemática orquestrada e operada pelas organizações midiáticas, de norte a sul do país, nas últimas semanas, contra a sociedade civil que luta por democratização da mídia e pela implantação de conselhos de Comunicação Social nos estados.

A Constituição Federal de 1988 prevê a instalação do Conselho de Comunicação Social (CCS) como órgão auxiliar do Congresso Nacional (Capítulo V), e abre espaço para que estados e municípios façam o mesmo, pois comunicação, como um direito humano, deve ter o mesmo tratamento, por parte do Estado, que os demais direitos constitucionais, como à Saúde, à Educação, à Assistência Social, entre outros, e que têm suas políticas públicas discutidas e gestadas em conselhos.

Partindo dessa lógica, nada mais correto que a comunicação ter conselhos que garantam a participação da sociedade, o controle social e a gestão democrática para incidir nas políticas e nos serviços públicos, para o planejamento e o acompanhamento da execução destas políticas e serviços em favor da coletividade.

E de onde vem a ideia de que um conselho com participação equânime de representantes da sociedade, inclusive os empresários, pode se transformar em organismo de censura e de cerceamento da liberdade de expressão? Vem exatamente daqueles que usam da manipulação da informação para perpetuar seus privilégios e não abrem mão de continuar dominando o setor como verdadeiros senhores feudais, com a ajuda dos seus vassalos nas redações de suas empresas.

Acostumados a invariavelmente ditar as regras do jogo e a buscar impedir o avanço de qualquer discussão sobre regulamentação para o setor, usam da mesma ladainha distorcida de sempre para pregar que toda e qualquer regulamentação teria caráter de censura à imprensa e de cerceamento da livre expressão dos cidadãos.

Foi assim com o projeto que criava o Conselho Federal de Jornalismo, foi assim para garantir a derrubada da Lei de Imprensa sem que nada ficasse em seu lugar, foi assim com a regulamentação da profissão de jornalista, foi assim com a terceira versão do Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3), e assim será com toda e qualquer proposta que crie óbices aos seus interesses privados e comerciais ou que aponte para a democratização do setor de comunicação no Brasil.

Quem censura mesmo?

Interessante notar que o ponto de sustentação do debate, para essa turma, é o mesmo de sempre: a censura aos meios de comunicação. Não deixa de ser cômica tal suposição. Quem tem o poder de censurar e de filtrar toda e qualquer informação dentro de um meio de comunicação, e todo mundo sabe disso, é o seu próprio dono ou seus controladores, quando não, os grandes anunciantes. São estes que ditam as regras a serem seguidas, determinam a linha editorial de um jornal, impõem suas listas de personae non gratae que não podem sair nos seus veículos – se saírem, é quase sempre em posição negativa –, criam uma autocensura nas suas redações que, se quebrada, geralmente redunda em demissão do autor de tal rebeldia. Que o digam Paulo Henrique Amorim, Rodrigo Viana, Luís Nassif, Franklin Martins, Ana Rita Kehl, só para citar alguns rebeldes “famosos”.

É interessante observar também como são tratados nos meios de comunicação as pessoas e os movimentos sociais que questionam e criticam o establishment. Todas são demonizadas, criminalizadas, a exemplo do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, sempre pautado, por lutar pela democratização da terra, como organismo de bandidos, terroristas, vagabundos, invasores e afins; assim como os movimentos negros, LGBTs, de mulheres, de direitos humanos, ambientalistas e tantos outros. Que espaços têm estes segmentos nos meios de comunicação para falarem sobre si mesmos de forma aberta e transparente de acordo com as suas visões de mundo e percepções da realidade cotidiana? Poucos ou quase nenhum. Isto é democrático? Onde fica a liberdade de expressão para estes grupos?
 
Dois latifúndios, a mesma realidade

Uma leitura mais aprofundada da realidade brasileira revela facilmente que dois dos maiores problemas estruturais e sociais do país se entrelaçam e se sustentam: a concentração de terras e a concentração dos meios de comunicação.

Fato é que o Brasil, em 510 anos de história, ainda não conseguiu resolver a chaga social que é a excessiva concentração de terras nas mãos de uns poucos iluminados. Ainda vivemos, em certa medida, num sistema muito próximo ao das capitanias hereditárias, onde a terra é privilégio de famílias abastadas que dominam grandes feudos, dela tiram sua riqueza e poder, e vão mantendo seus privilégios geração após geração. O Censo Agropecuário do IBGE 2006 dá a real dimensão da desigualdade. Um pequeno número de fazendas (0,91%) ocupa a maior parte do solo nacional (44,42%); enquanto a maior parte (2.477.071) se configura como pequenas propriedades limitadas a 2,36% do território nacional. São 5 milhões de famílias no Brasil à espera de terra para plantar e viver, enquanto cerca de 60% da terra agricultável no Brasil está nas mãos de pouco mais de 300 proprietários.

Paralela a essa nefasta realidade do predomínio do grande latifúndio agrário no Brasil, persiste um outro latifúndio igualmente nefasto: o midiático. A legislação, a falta ou descumprimento dela perpetuou no país o chamado “coronelismo eletrônico”, expressão precisa do sociólogo, jornalista e professor-doutor Venício A. de Lima para designar o vínculo da grande mídia às oligarquias políticas regionais e locais desde pelo menos a metade do século passado, resultando, hoje, no controle da informação restrito a cinco famiglias, que detêm as emissoras de TV cabeças de rede, inúmeras estações de rádio, portais de notícia, os grandes veículos impressos e as agências nacionais de notícia, formando poderosos oligopólios midiáticos que se capilarizam em todos os estados brasileiros.

E isso passando por cima da Constituição Federal, que prevê, em seu Artigo 220, II, § 5°, que “Os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio”. Por falta de lei regulamentadora, esse dispositivo é meramente figurativo para os donos da mídia.

Aliás, praticamente todo o Capítulo V da Constituição, referente à Comunicação Social, padece até hoje de regulamentação por pressão dos empresários e omissão do Congresso Nacional, onde, diga-se de passagem, as bancadas da mídia e a ruralista, que se articulam muito bem, cumprem com o papel de barrar toda e qualquer proposta neste sentido.

E é justamente para que as coisas assim permaneçam que sistematicamente os barões da mídia, com seus “cães de guarda”, seguem atacando toda e qualquer proposta que aponte para a democratização dos meios de comunicação no país.

Importante destacar que até mesmo nos Estados Unidos, onde o modelo de comunicação é totalmente privado, existe a figura dos conselhos reguladores, que no caso norte-americano é a Federal Communications Commition – FCC, o que aqui equivaleria ao CCS do Congresso Nacional. A FCC existe desde 1934 com uma dupla função: a de controlar a não-intromissão de uma frequência na outra, e também a de garantir o cumprimento de princípios como o respeito à dignidade humana, a igualdade e a pluralidade, e, veja só, fazer valer regras como a proibição da famigerada propriedade cruzada (a concentração de diferentes tipos de meios de comunicação por um mesmo grupo). Os Estados Unidos são uma ditadura? Lá a imprensa é censurada? Com a palavra, os donos da mídia no Brasil.

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