terça-feira, 28 de abril de 2009

Flávio Conceição: um sujeito incomum num país de leis incomuns

Difícil convencer o cidadão comum de que a lei é feita para beneficiar a todos neste Brasil de encantos mil e aves de rapina a dar de pencas. Difícil diante da aviltante aposentadoria compulsória do ex-conselheiro Flávio Conceição de Oliveira Neto, confirmada pelo pleno do Tribunal de Contas do Estado de Sergipe, na sessão do último dia 23 de abril. Valor da aposentadoria: R$ 20 mil. O detalhe que torna mais incompreensível tal decisão, e que revolta os que dão duro no dia-a-dia para sobreviver honestamente, é que essa gorda aposentadoria vai cair tilintando na conta bancária do moço por ele ter trabalhado (trabalhado?) apenas seis meses como conselheiro do TCE.

Para refrescar a memória dos mais esquecidos, Conceição foi alvo da Operação Navalha da Polícia Federal, deflagrada em maio de 2007, acusado de participação em fraudes a licitações públicas, junto como outras ilustres figurinhas do jet set sergipano – e que aqui seria perda de tempo citar –, e teve que deixar o cargo sob uma avalanche de denúncias formuladas com base em inúmeras gravações telefônicas que comprovavam sua participação no mega esquema de corrupção engendrada pela empreiteira Gautama, de Zuleido Veras, amicíssimo de Flávio, esquema que desviou, só em Sergipe, com a obra da Adutora do São Francisco, algo em torno dos R$ 170 milhões dos cofres públicos.

Com tudo isso pesando sob seus ombros, o moço ainda consegue se aposentar compulsoriamente com R$ 20 milzinho no bolso. O que pode pensar o sujeito que acorda cedinho todo dia, empurra um café com pão e manteiga no bucho e, mal a gororoba lhe esquenta o estômago, tem que correr pro trabalho, e mesmo assim, com todo o sofrimento, sobrevive honestamente com um salário de fome? Que o crime compensa.

Como convencer o cidadão comum brasileiro, que dá um duro danado boa parte da vida, contribuiu religiosamente com a Previdência 25, 30 anos e, quando vai se aposentar, acaba tendo que engolir seco uma aposentadoria que mal dá pra sobreviver com dignidade, que essa aposentadoria de Flávio é merecida? E como convencer esse cidadão que as leis existem para beneficiar a todos igualmente? Difícil, muito difícil. Ainda mais quando os proeminentes conselheiros do TCE que julgaram o caso declararam ter feito tudo o que se poderia fazer, e que o ato de aposentadoria compulsória de Conceição tem previsão na Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman). “O Tribunal cumpriu apenas a lei”, declarou, com ar de quem se livra de um fardo, o presidente do TCE, Reinaldo Moura. “As leis são belíssimas!”, já escrevera Machado de Assis em seu Dom Casmurro. Belíssimas para uns poucos.

O ex-conselheiro perdeu o tão almejado cargo, mas por míseros seis meses de trabalho, boa parte conduzindo o esquema da Gautama dentro do TCE, conforme gravações da PF, vai vestir o pijama e receber R$ 20 mil mensalmente pra torrar com vinhos e docinhos de leite. Isso não é punição, é premiação. E com essa premiação, o senhor Flávio Conceição prova que pertence à casta dos cidadãos “incomuns”, àqueles a quem as leis parecem feitas sob medida para lhes servir e beneficiar, leis que dificilmente alcançam os simples mortais.

Na Constituição Federal, artigo 5º, até costa que “todos são iguais perante a lei”, mas é algo tão pouco palpável e difícil de levar a sério pelos cidadãos comuns, quanto inaplicável à medida que o noticiário do dia-a-dia, corriqueiramente, mostra que todos até são iguais perante a lei sim, mas há uns que são mais iguais que os outros. E esses uns vão rapinando, sem parcimônia ou constrangimento, a riqueza construída pelos muitos, com a voracidade de vermes sobre carne podre.

Ou a sociedade brasileira, a parte boa dela, reage e começa a exigir com mais firmeza que o Judiciário e os demais órgãos fiscalizadores mudem essa lógica perversa, ou continuaremos a ver o Brasil como terra fértil para o deleite e usufruto dessa minoria de homens incomuns, que vão tocando suas vidas e seus negócios escusos nas entranhas do Estado sem maiores preocupações, porque sabem que, mesmo pegos com a mão na botija, as leis têm lá suas brechas para que advogados muito bem pagos os livrem de ver o sol nascer quadrado e de ter que devolver aos cofres públicos o que dali tiraram sem permissão ou direito. Que nos digam os Malufs, Pittas, Barbalhos, Lalaus, Estevãos, Renans, Dantas, Zuleidos... a lista é extensa.

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