domingo, 8 de agosto de 2010

Quando o crime compensa e a Justiça ajuda

Se vamos a um supermercado fazer compras com um filho pequeno e, por uma daquelas tentações típicas da infância, ele pega algumas balinhas em meio a centenas delas na prateleira e põe no bolso, ao chegar em casa, quando descobrimos o inocente furto, por nossos padrões de conduta e honestidade, repreendemos firmemente a criança, apontando seu erro e colocando aquele ato como algo errado socialmente e passível de punição. “Isso é crime, meu filho! Fosse você adulto, poderia até ser preso!”, dizemos. “O crime não compensa, nunca!”, reforçamos, para que não lhe restem dúvidas do caráter ilícito de se pegar algo que não lhe pertence ou do querer se dar bem sobre as outras pessoas.

Mas o tempo passa e, a cada novo escândalo de golpes milionários contra o erário público e a impunidade que reina sobre os autores desses golpes, é cada vez mais difícil convencer nossas crianças de que o crime não traz compensações. Pior que isso, de tempos em tempos a nossa Justiça ajeita a vida desses criminosos e corrobora para que as nossas crianças, quando jovens, cheguem à conclusão de que as reprimendas paternas na infância tinham algo de vazias em si.

Tem virado praxe a Justiça varrer para debaixo do tapete sua própria sujeira, o que cria uma terrível sensação de impunidade na sociedade. Prova disso foi dada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que decidiu, no último dia 3/8, por unanimidade, aposentar compulsoriamente o ministro afastado do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Paulo Medina (leia mais aqui). Acusado de vender sentenças e de ter recebido cerca de R$ 1 milhão para beneficiar empresas do ramo do jogo com máquinas caça-níqueis, o ministro foi punido por esse desvio grave sendo, veja só, aposentado com proventos proporcionais ao que recebia enquanto exerceu o cargo, ou seja, cerca de R$ 25 mil. Em lugar de ser punido, ele foi premiado com vitalícios R$ 25 mil mensais e outras benesses monetárias!

Claro, o desonesto juiz ainda responde à ação penal no Supremo Tribunal Federal (STF) pelo mesmo crime que foi julgado pelo CNJ. E, caso seja considerado culpado, pode receber pena de até 13 anos de reclusão e multa. Além disso, perde a aposentadoria, o que seria mais que justo.

Mas o relator desse processo no STF é o “famoso” ministro Gilmar Mendes, figura das mais sombrias e bastante conhecida por suas decisões sempre favoráveis a bandidos de colarinho branco; mais recentemente ficou célebre por limpar a vida de “fichas sujas” para que se candidatassem nestas eleições. Então, não há muito o que se esperar de positivo nesse processo. Será mais um a corroborar com a tese de que, no Brasil, o crime compensa, jogando por terra o que ensinamos a nossos filhos.

E não se trata de caso isolado. No início do ano, outro escândalo no Judiciário – que está mais do que carcomido em suas entranhas tamanha a corrupção – culminou numa quase premiação com aposentadoria compulsória para elementos desse poder que cometerem ilícitos graves no exercício das suas funções públicas.

O presidente do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT) Mariano Alonso Ribeiro Travassos, o ex-presidente da instituição José Ferreira Leite, o desembargador José Tadeu Cury e os juízes Marcelo Souza de Barros, Antonio Horácio da Silva Neto, Irênio Lima Fernandes, Marcos Aurélio dos Reis Ferreira, Juanita Duarte, Graciema Caravellas e Maria Cristina Simões foram pegos num esquema que desviou mais de R$ 1 milhão do tribunal para a entidade maçônica Grande Oriente do Mato Grosso.

A aposentadoria compulsória, que já seria um soco a mais no estômago já fustigado do povo brasileiro, não se efetivou porque funcionou o famigerado e conhecido corporativismo do Judiciário, e aconteceu algo tão pior quanto à aposentadoria compulsória dessa gente. Todos foram livrados das suas falhas e retomaram os seus cargos normalmente, como se nada demais tivesse acontecido, graças ao ministro Celso de Mello, que decidiu liminarmente favorável aos réus e contra a decisão do CNJ, num choque de interpretações entre as Cortes, trazendo uma insegurança jurídica quanto ao que se fazer quando um magistrado é pego com a mão na botija.

Podres poderes! E olha que só foram levantados aqui uns poucos casos recentes. Se buscarmos casos passados e mexermos nesse baú de estrume que vem se tornando o Judiciário brasileiro, que segue intocável e inviolável, a fedentina vai ser grande. Ali há sempre uma mão suja para lavar a outra, e haverá sempre o argumento cínico de que magistrados cometem “equívocos” que podem ser reparados sem que ele veja o sol nascer quadrado. Afinal são gente fina e bem estabelecida.

Bonito isso! O ladrão de galinha vai pro xilindró; o larápio de colarinho branco ou de toga é aposentado compulsoriamente ou até retoma o seu cargo numa boa. Tudo depende de interpretação judicial. Para estes, a sujeira é varrida para debaixo do tapete e a vida volta à normalidade, como aqui querem fazer com o mão leve do ex-conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de Sergipe, Flávio Conceição de Oliveira Neto, que foi preso, em 2007, na famosa Operação Navalha, num esquema que desviou milhões dos cofres públicos do Estado.

O sujeito mete a mão no dinheiro público e ainda vem se valendo do dinheiro da sua rapinagem para pagar bons advogados, o que tem lhe garantido sucesso nos processos a que responde, além de continuar recebendo sua aposentadoria compulsória de R$ 20 mil mensais normalmente. Bom demais, não?! Mas pode ficar melhor... pra ele. Flávio pode retomar, brevemente, as suas funções no TCE/SE, graças a um mandado de segurança.

Não é possível mais aceitar que se continue a premiar aqueles que cometem crimes contra o patrimônio público. Se ensinamos diuturnamente aos nossos filhos, como referência para a construção sólida da sua conduta moral, que o crime não compensa, a Justiça não pode seguir no caminho contrário. Se caminha, ela torna-se a negação da própria justiça. Porque se aqueles que fazem a Justiça não tem capacidade de punir os seus pares quando necessário, que moral terão para punir os cidadãos comuns?

Um comentário:

  1. Parabéns pelo texto! Muito interessante! Mostra o quanto nosso Direito Penal, infelizmente, é seletivo! Só vão para cadeia pobres, negros, analfabetos, ou seja, as pessoas que são vistas muitas vezes como a 'escória' da sociedade. Elas conhecem como ninguém a fúria do Direito Penal. Mas somente elas! Juízes, empresários, políticos e outros bandidos afins seguem ilesos, como se não fosse crime desviar as verbas da saúde, da educação, da segurança pública etc, etc, etc. Mas o pior é essa sensação de conformismo que domina a sociedade como um todo, como se nada mais pudesse ser feito para mudar o estado das coisas. Isso, sim, é tão nefasto quanto os crimes que essas pessoas cometem. Se cada um de nós fizéssemos como você, certamente, o mundo não estaria o caos que está!

    Flávia

    ResponderExcluir