Nas últimas semanas, temos acompanhado a caçada internacional e desmesurada ao australiano Julian Paul Assange, que de uma hora para outra passou de mero web publisher a “Public Enemy Number One” dos Estados Unidos da América e de praticamente todas as grandes potências ocidentais. Fundador do site sueco Wikileaks, Assange tornou público, entre outros conteúdos de grande relevância, nada mais nada menos que 250 mil telegramas de embaixadores norte-americanos em todo o mundo trocados com Washington nos últimos 10 anos, contendo informações ditas “confidenciais” da ambígua diplomacia americana e que jamais chegariam aos cidadãos comuns não fosse o site em questão, que tem apoio, diga-se de passagem, de jornais de peso como o New York Times, The Guardian, Le Monde, El País e a revista Der Spiegel.
Por tamanha ousadia, de trazer à tona a política – muitas vezes suja – operada pela Casa Branca, CIA e FBI, Assange está pagando um alto preço. Ao colocar, com o seu site, o interesse público acima do interesse de Estado, o australiano abriu a caixa de Pandora e mostrou as verdades ocultas das operações articuladas pelo Departamento de Estado Americano para fazer valer os interesses do imperialismo ianque mundo afora. Sem dúvida, o Wikileaks pôs o rei nu e reveleram a diplomacia de intimidação e espionagem colocadas em prática por Washington.
A ousadia de Assange fez cair, também, a máscara do falso liberalismo made in USA. A democracia estadunidense, tão festejada por sua fervorosa defesa dos princípios da liberdade de expressão e de imprensa, revela, no caso Wikileaks – ou Cablegate, como está sendo chamado – toda a hipocrisia do seu sistema e prova o quanto para os americanos do norte conceitos como liberdades individuais, de expressão e de imprensa são volúveis.
No curso de Jornalismo, aprendemos logo cedo como exemplo de bom jornalismo o praticado pela dupla de repórteres do Washington Post Bob Woodward e Carl Bernstein, que revelaram o famoso escândalo Watergate a partir de informações passadas por uma fonte apenas conhecida pelo codinome Deep Throat, trazendo à tona as ações ilegais do presidente Nixon, que usava o FBI para espionar a oposição. O caso, como se sabe, acabou por derrubar o presidente bisbilhoteiro.
Bob Woodward e Carl Bernstein prestaram um grande serviço àquela nação, agindo contra os interesses do Estado naquele momento. A dupla de repórteres fez jornalismo investigativo, jornalismo “sangue no olho”, de coragem e de enfrentamento a um governo de práticas ilegais. É isso que se espera de uma imprensa livre e comprometida com o seu público.
Pois Julian Assange cumpre com o mesmo papel que Woodward e Bernstein no caso Watergate, independente de quem tenha sido o seu Deep Throat ou da forma como tenha negociado as informações que postou. Usando dessa fenomenal ferramenta de democratização da informação, a internet, fez jornalismo mesmo que em estado bruto, revelando informações ocultadas por interesses corporativos ou de governos e publicando-as para que o leitor-cidadão tire suas próprias conclusões.
Não fossem as revelações do Wikileaks, dificilmente se saberia, por exemplo, da existência de um destacamento militar especial para capturar ou matar insurgentes sem direito a julgamento nas operações militares dos EUA no Afeganistão; ou que o governo Obama está barganhando com outros países a aceitação de detentos libertados da prisão de Guantánamo (o Brasil já se negou a recebê-los).
Relativamente ao nosso país, sem o Wikileaks jamais saberíamos que o ex-embaixador norte-americano no Brasil, Clifford Sobel, criticou pesadamente o Plano Nacional de Defesa, apresentado pelo governo em 2008; ou, para surpresa de muitos, que o candidato derrotado à Presidência da República, José Serra (PSDB), prometeu que tomaria medidas para satisfazer os interesses das petroleiras estadunidenses em relação ao marco exploratório do pré-sal.
Como se vê, são informações que estão longe de serem desinteressantes, e são apenas uma minúscula fração do que o site conseguiu desenterrar. Portanto, Julian Assange presta um grande serviço aos cidadãos de todo o mundo. Condená-lo pelo que o seu site revela é condenar o jornalismo na sua essência, a liberdade de imprensa e o direito das pessoas à informação e à verdade. Trata-se, portanto, de condenar o próprio conceito de democracia como a conhecemos.
Pouco importa se o Wikileaks tem ligações com cartéis da comunicação, se o conteúdo compartilhado é ou não comprometedor para o governo norte-americano e outros, ou se Assange se tornará a Personalidade do Ano da revista Time. Importa-nos muito mais a defesa da liberdade de expressão e de imprensa e a garantia do livre fluxo da informação, e o Wikileaks acaba por reforçar objetivamente essas bandeiras em favor das sociedades livres e do jornalismo de vanguarda.
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