terça-feira, 17 de abril de 2012

Banese adultera horário em senha para não cair na Lei dos 15 Minutos

Agências do Banco do Estado burlam registro das horas nas maquinetas geradoras de senhas para fugir do cumprimento da Lei Municipal 2.636/98


É véspera do feriado prolongado de Páscoa. Na agência Magazine do Banco do Estado de Sergipe – Banese, são muitos os clientes, sentados ou em pé, à espera de atendimento em seis dos oito caixas à disposição das pessoas. Com uma senha na mão, em tese, ninguém deveria se preocupar tanto com o grande número de pessoas na fila de espera, já que existe uma lei municipal que assegura o atendimento bancário ao cliente em no máximo 15 minutos em dias comuns e 30 minutos após feriados: a Lei 2.638/98. Em tese. Porque na prática, a realidade é completamente outra. Após quase 14 anos, a Lei dos 15 minutos, como ficou conhecida, continua sendo desrespeitada pela maioria dos bancos.

E é justamente no Banese que é possível verificar quão tamanha é a indiferença dos banqueiros com a lei e como estes estão certos de que não serão atingidos por ela. Os clientes e usuários que diariamente se utilizam das suas agências e serviços vão dar de cara com um jeito nada honesto de burlar a lei. Ao solicitarem a impressão automática da senha, com o dia e a hora exata da solicitação, para atendimento em um dos caixas – o que serve de prova numa possível denúncia por descumprimento da lei – a maquineta gera o boleto com a hora adiantada. E na maioria das vezes, bastante adiantada.

Na Agência Magazine da abertura da matéria, a senha 0091, solicitada às 10h54, saiu impressa marcando 11:14:59 (confira na foto). Ou seja, qualquer um dos caixas teria exatos 35 minutos e 59 segundos para o atendimento sem que a agência ferisse a lei, que prevê tolerância de 15 minutos. E o pior é que a burla à legislação – e um ataque a um direito do cidadão – não ficou na exclusividade desta agência. Em outras agências do mesmo banco, as maquinetas também registravam senhas com adiantamento das horas, sem que as pessoas dêem conta da enganação.

Na agência João Pessoa, no calçadão de mesmo nome, um pouco menos, sete minutos adiantados. Mas já na Agência Central, no Edifício Maria Feliciana, todos os dias abarrotada de clientes, senha solicitada às 11h04 e o horário saiu impresso 11:17:19, ou seja, com 13 minutos adiantados, que somados à tolerância, dariam 28 minutos para o atendimento sem ferir a lei.

Na semana seguinte, a reportagem esteve em outras agências do Banese e de outros bancos verificando a geração das senhas. Em agências da Caixa Econômica, Banco do Brasil e Bradesco, as senhas foram geradas com data e hora exatas. Mas nas agências do Banese, em praticamente todas, novas burlas no horário.

Quase em branco

Na agência São José, outro absurdo. Sequer o horário saía impresso no boleto, pois a máquina, com problema, mal imprimia o número da senha, deixando hora e data de fora. Tudo diante da indiferença total dos clientes. Alguns por sequer conhecer a Lei dos 15 Minutos; outros, por puro descrédito em sua eficácia. É o caso do advogado Paulo Vasconcelos, 40 anos, que disse conhecer bem a lei. Diante da senha quase em branco em sua mão, não mostrou muita surpresa. Na verdade, admitiu pouco entusiasmo com a efetividade da legislação.

“Banco nenhum nunca respeitou, desde a criação da lei. Fizeram sempre pouco caso. Hoje a agência está tranqüila, mas cansei de esperar muito mais que 15 minutos em fila de banco. Um desrespeito, mas fazer o quê?”, resignou-se.

Para ele, as penalizações aos bancos são muito leves. “Deveria ser uma pena muito mais dura. Só assim eles (os bancos) iriam respeitar e garantir o nosso direito”, acredita, sem considerar que a lei já prevê uma dura pena: a suspensão do alvará de funcionamento por seis meses, depois da quarta reincidência.

Mas a agência baneseana campeã da burla foi a da Assembleia Legislativa de Sergipe. Funcionando no segundo andar da Casa Legislativa, nela, são 40 minutos de adiantamento do relógio. Ou seja, os caixas teriam impensáveis 55 minutos para atender um cliente ou usuário na agência sem que o banco fosse punido pela demora. Por sorte, a demanda na agência é geralmente pequena e nenhum cliente precisará esperar tanto. Mesmo assim, a ilegalidade é flagrante.

Péssimo exemplo

O presidente do Sindicato dos Bancários de Sergipe, José Souza, lamentou profundamente que o banco estatal dos sergipanos seja justamente o que dá o pior exemplo no sentido de ignorar uma lei municipal em pleno vigor. “É um expediente lamentável, que nos deixa preocupados, porque quem frauda um horário numa máquina pode fraudar qualquer outra coisa. Mais lamentável ainda é que aconteça no Banese, um banco ligado ao Estado, que tem relação direta com a prefeitura de Aracaju, que mantém seus negócios com este banco, e que deveria dar o bom exemplo”, enfatizou.

Para Souza, a Lei dos 15 Minutos, na sua essência, é bastante avançada e veio com duplo objetivo: garantir o direito dos usuários do sistema bancário de serem atendidos com decência e em tempo hábil, e gerar mais empregos para os bancários, pois os bancos teriam de contratar mais funcionários para melhor atender seus clientes. Não foi o que aconteceu.

“Os bancos, sempre arrogantes e poderosos, mesmo com a bancarização, ou seja, as pessoas tendo cada vez mais que usar o sistema bancário, seguiram reduzindo o número de empregados, em um movimento contrário, tornando a vida insuportável para os bancários que ficaram e o atendimento à população piorou”, assegurou.

No ano passado, lembra Souza, agências do Banco do Brasil, Caixa Econômica, Bradesco e até do próprio Banese foram multadas por descumprimento da Lei dos 15 minutos. Algumas chagaram a ter ameaçados os seus alvarás de funcionamento, mas sempre recorreram na Justiça. “Com a força que eles têm, usaram de todos os recursos possíveis e conseguiram, via judicial, suspender os efeitos da decisão quanto à suspensão dos alvarás. A prefeitura diz que recorreu dessa decisão, mas até agora ninguém viu esse recurso. Enquanto isso, os bancos continuam livres, leves e soltos para manter o povo sofrendo nas filas. É um tapa na cara”, lastima.

Para o sindicalista, a lei não é perfeita, tem alguns problemas, mas poderia – e ainda pode – ser melhorada, desde que haja interesse político por parte dos vereadores em propor emendas melhorando o bojo da lei e da própria Prefeitura de Aracaju, que poderia dar mais publicidade ao seu conteúdo e oferecer postos descentralizados onde o cidadão pudesse formular denúncias contra os bancos. Mas lamenta que nada disso tenha sido feito.

“A lei está em pleno vigor, mesmo com os recursos judiciais dos bancos. Caberia à prefeitura, que é o órgão que tem poder de aplicar a lei, dar o suporte necessário aos cidadãos e publicidade maior à lei. Mas há um grande descaso. Pra se ter uma ideia, a Coordenadoria de Defesa do Consumidor, ligada à Secretaria Municipal de Finanças, que a lei exigia que prefeitura criasse, foi criada, funcionou por uns tempos, e depois constatamos que o setor foi simplesmente desativado. Infelizmente, hoje o cidadão está desprotegido”, lamenta Souza.

O presidente do Banese, Saumíneo Nascimento, foi procurado durante dois dias para falar do assunto. Vários recados e tentativas de agendamentos para entrevista foram deixados com a sua secretária, mas a reportagem não foi atendida.

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