segunda-feira, 14 de maio de 2012

A nomeação que pode ser um tiro no pé

“Novo comandante da PM promete rigor contra os marginais”. A manchete do fim de semana de um jornal diário da capital não deixa qualquer dúvida sobre o papel que o coronel Maurício Iunes cumprirá como novo comandante-geral da Polícia Militar de Sergipe.
 
Em meio aos alardes diários e sistemáticos da mídia – em especial de histriônicos apresentadores radiofônicos – sobre uma crescente onda de violência que campeia por todo o Sergipe – ainda que os números não comprovem isso, o coronel está sendo ungido com o óleo sacrossanto da “licença para resolver” pelo chefe maior do Estado, o governador Marcelo Déda, e pelo secretário da Segurança Pública, João Eloy. “Ele é um homem afeito ao trabalho das ruas”, destacou o primeiro; “Iunes é conhecido de toda a sociedade sergipana por sua operacionalidade e suas características de proatividade”, laureou o segundo.
 
E em espaços importantes da imprensa, a mesma sacra unção. “Coronel Iunes é a esperança de uma PM atuante”, publicou o amigo jornalista Eugênio Nascimento em seu blog, para ir mais longe na sua análise: “O coronel Iunes é velho conhecido da população. É um militar ágil, capaz de dar respostas rápidas para os problemas, ainda que questionáveis no procedimento de alguns casos em relação ao respeito aos direitos humanos. Mas o povo pouco está ligando para isso. Ele parece fazer o que o povo quer. Um policial de soluções e que esteja nas ruas de todo o Estado transmitindo segurança”.

O grifo é nosso e mostra-se importante para destacar algumas questões que, nessas horas, ficam escamoteadas e passam longe das análises mais aguçadas dos nossos colegas de imprensa: será que é isso mesmo que o povo quer, uma polícia que possa ser questionável do ponto de vista dos direitos humanos, desde que acabe com a marginalidade e traga segurança? Quem seria mesmo esse “povo” que aparece na análise do caro colega de imprensa? E quem são mesmo os bandidos no meio desse “faroeste caboclo”?

As perguntas se mostram pertinentes quando analisamos a continuidade do artigo do jornalista – e que reflete o pensamento de boa parte dos que fomentam a opinião pública por aqui: “Quem mais ver (sic) violência é o pobre. Ela está no bairro e na rua em que ele mora e isso intimida. Talvez por isso é que um homem de ação, apontado como um policial que enfrenta os problemas com certa violência, seja a necessidade básica popular contra os marginais que rondam sua casa”, conclui o jornalista.

A análise é por demais rasa e bastante perigosa. A partir-se dela, finca-se a premissa de que para certos fins, quaisquer meios se justificam. E não é assim.

Primeiro, o pobre vê muita violência na sua rua porque é exatamente ali aonde por último chegam as políticas públicas. Onde falta educação, saúde, transporte de qualidade, saneamento básico, emprego e opções de lazer e cultura sobra a violência. Isto é fato.

Segundo, há que se considerar que, onde faltam todos esses direitos, os pobres preferem a polícia bem longe, porque por perto, são os primeiros a sofrer na pele com ações truculentas pela simples condição de serem pobres. Isso também é fato. Há muito que se convencionou, com apoio sistemático de grande parte da mídia, que todo morador de morro ou de favela é bandido, só cabendo à polícia decidir o grau. Nas operações policiais em favelas, morra traficante ou morador, pra quem vê no noticiário, é tudo igual. É menos um.

Sejamos honestos, quem mais quer a polícia aparelhada até os dentes, nas ruas e agindo com dureza são os mais aquinhoados, para assim terem assegurado os seus insuspeitos direitos de propriedade e de acumular bens e capital, e que assim seja mantido o pacto social que perpetua a estratificação do bem-estar e fartura para alguns, miséria e fome para a maioria.

Assim, em lugar de políticas públicas abrangentes e distribuição de renda para erradicar a miséria, com a coragem de tirar dos mais ricos para fazer chegar aos mais pobres, financia-se uma polícia dura e seletiva, com comandantes mais duros ainda. Pela tradição do atual comandante, é o que o governador terá. E deverá arcar com a sua escolha.

Afinal, basta uma rápida pesquisada na internet para constatar que pelo menos em dois episódios (graves), o coronel deixa claro seu jeito de agir: em setembro de 2009, praticou abuso de autoridade, cárcere privado e espancamento contra um universitário de 20 anos, que estaria se encontrando com sua filha de 14, (ao jovem, teria dito “que já tinha matado vários e matar mais um não faria diferença”); em abril do ano seguinte, teria espancado a própria irmã, inclusive com uso de revolver na boca da vítima, tudo para que assinasse a transferência de uma empresa de segurança para o seu nome (o caso consta no B.O. número 2010/04620.0-000273, registrado no Departamento de Grupos Vulneráveis da Polícia Civil, no dia 1º/04/2010, das 21 horas às 21h30).

À época, o delegado da Polícia Civil Paulo Márcio, em sua coluna no Universo Político.com, escreveu sobre o caso: “(...) Não desejo alfinetar nem pôr na berlinda o governador Marcelo Déda, que não dispõe de mecanismos para sondar o psiquismo de seus subordinados nem prever ações e atitudes desastrosas e tresloucadas, quando não criminosas. Acredito, tão-somente, que não só por esse fato, mas, sobretudo pelo conjunto da obra, Maurício Iunes já deu provas mais do que suficientes de que não possui o equilíbrio necessário para permanecer à frente de tão importante cargo [na época, chefe do Comando do Policiamento Militar da Capital – CPMC]”.

É esse mesmo Iunes quem agora vai comandar toda a PM de Sergipe.

A escolha pode ser um tiro no pé do governador Marcelo Déda que, lembremos, enviou à Assembleia Legislativa uma proposta de Código Disciplinar para os bombeiros e policiais militares, dentro da nova Lei Orgânica Básica, que de tão rigorosa e intrusiva (chega a invadir a vida privada do militar), aplicada nos dois casos acima, Iunes estaria fatalmente enquadrado e em maus lençóis.

2 comentários:

  1. SENSACIONAL, GW!!!! SOU SEU FÃ, PORRRA!

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  2. Muito interessantes suas observações, caro George... e parabéns pelo texto... também penso tudo isso, mas não teria coragem, confesso, de escrever...

    no episódio do espancamento no namoradinho da filha dele, o dito 'coronel' só não me chamou de santa e bonita durante uma coletiva na SSP alegando que eu não o ouvi na matéria... e eu nem estava lá para explicar que liguei várias vezes para o celular dele e ele nao atendeu....

    parabéns mais uma vez! vai publicar? prepare-se para retaliações.

    um grande abraço,

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