quinta-feira, 1 de abril de 2010

Golpe de 64: 1º de abril sem mentiras

Esforçam-se alguns historiadores em apontar o 31 de março como o dia do fatídico e truculento Golpe Militar que depôs o governo democrático de João Goulart e instituiu 21 anos de um regime ditatorial e sanguinário, onde milhares foram presos e torturados, centenas foram assassinados e outra centena e meia continua desaparecida até hoje, eliminada sem deixar vestígios.

Fato é que na noite de 31 de março de 1964, o general Olímpio Mourão Filho, que alimentava ódio particular a Jango e às suas reformas de base socializadoras, apoiado pelo governador de Minas Gerais, Magalhães Pinto, de forma atabalhoada, mas hostil e determinada, saiu de Juiz de Fora, em Minas Gerais, com suas tropas em direção ao Rio de Janeiro para depor o presidente. Foi a partir daí que outras tropas militares começaram a aderir. A efetivação do golpe, no entanto, aconteceu exatamente no dia seguinte, Dia da Mentira.
Uma mentira de verdade, nada engraçada.

E foi no dia 1º de abril que o presidente do Congresso Nacional, senador Auro de Moura Andrade, declarou vaga a Presidência da República. Ciente de que não teria mais como reverter a situação, Jango não reagiu à manobra político-militar, deixou o Brasil e o golpe se efetivou. O cargo foi provisoriamente assumido pelo presidente da Câmara dos Deputados, Paschoal Ranieri Mazilli, sob a tutela de uma junta militar.

Foi também no dia 1º que as forças militares deixaram 0 recado
claro de que vieram para estabelecer a sua ordem na base da força. Naquele mesmo dia, a sede da União Nacional dos Estudantes (UNE), na Praia do Flamengo, no Rio de Janeiro, foi incendiada, e o regime de violência se estabeleceu, com os militares iniciando sua “operação limpeza” contra os comunistas ou qualquer um que fosse contrário ao novo governo golpista.

Certamente, naquela manhã, um ou outro brasileiro desavisado acordou na sempre esperança marota de pregar uma mentira em alguém. Afinal, era Dia da Mentira. Mas em lugar do riso fácil e da troça, o amanhecer foi dos mais sombrios. No lugar do rotineiro barulho da vida urbana de então, o som surdo e aterrorizador das tropas e dos tanques nas ruas, a movimentação brusca e truculenta dos homens de lustrados coturnos e fuzis em riste, pouco a pouco tomando de assalto as ruas e os palácios de governo, lançando sua insubordinação estúpida e cega sobre as instituições democráticas, abafando e anulando toda e qualquer reação.

A alvorada foi cinzenta. Não teve risos nem pegadinhas. O 1º de abril foi sem mentiras, e durou 21 longos anos, de um regime autoritário que sufocou os sonhos dos que queriam construir uma nação auto-suficiente e auto-determinada; que aniquilou sem piedade os que lutavam por um Brasil que tivesse um outro perfil que não o da eterna prostituta explorada e serviu; que esfacelou a esperança de superação daquele Brasil subserviente e atrasado, mas onde vingavam os interesses do grande capital internacional, das multinacionais estadunidenses, das predatórias oligarquias latifundiárias, e da tétrica burguesia urbana, com seus desejos insaciáveis de um Brasil à parisiense, indiferente à real situação de miserabilidade em que vivia a maior parte do povo brasileiro, principalmente nas regiões norte e  nordeste.

Pois essas “forças ocultas”, junto com os setores conservadores da Igreja Católica e apoiados pela Central Intelligence Agency (CIA) e pela influente imprensa paulistana, carioca e mineira, trabalharam de mãos dadas para derrubar Jango.

Nesse ponto da nossa história, não foi pequeno o papel da imprensa brasileira. Foi ela quem incitou, em editoriais virulentos e manchetes sensacionalistas, o povo a se insuflar contra o governo e contra a tal “ameaça comunista”. Isso redundou nas famosas  "Marchas da Família com Deus pela Liberdade", que deram aos militares o apoio popular que precisavam para destituir Jango e tomar o poder.

Por isso, é sempre bom estar lembrando que os barões da mídia, em defesa do grupo que eles representam, a elite conservadora e reacionária, quando vêem os seus interesses ameaçados, põem as suas diferenças de lado e se unem, sem tergiversar, a qualquer tempo, como bem nos lembra Gilberto Maringoni, em artigo recente sobre o Instituto Millenium, que representa os interesses dessa gente atualmente.  Isso é instinto de sobrevivência e pura “consciência de classe”. Mas para essa mesma elite, como classe dominante, não importa a quais forças ela precise se unir para continuar dominando; o importante é manter os seus privilégios e o status quo inalterado, a ponto de apoiar e sustentar uma ditadura sanguinária sem perder o sono.

Em depoimento contundente sobre o Golpe de 64 para uma publicação da Editora Abril, o  presidente do grupo, Roberto Civita, deixou claras as suas impressões e de sua família sobre o levante militar golpista.

"Fiquei sabendo do golpe, que na época foi chamado de revolução, pelos jornais. Estava em casa. Achei ótimo. Naquele momento, acreditamos que se tratava de uma tentativa de evitar que o Brasil fosse tomado pelos comunistas. O governo Goulart estimulava a fuga de capitais, a desordem e a insubordinação das Forças Armadas. Mas não previ que o regime duraria duas décadas. Tinha certeza de que a intenção era promover eleições num prazo relativamente curto. Ainda acredito que esta era a intenção inicial, mas – como descobri com o passar do tempo – boas intenções não bastam. As mudanças estruturais dos primeiros anos abriram um caminho de crescimento para a Editora Abril. Mas, depois do AI-5, de dezembro de 1968, amargamos 11 anos de censura e arbitrariedades que comprometeram as décadas seguintes.”

Mais honestidade, impossível. E para que não pairem dúvidas sobre o papel da famiglia Civita e de outros barões da mídia no suporte ao Golpe de 1º de abril, deixo algumas manchetes e editoriais dos jornais da época para uma profunda reflexão. O conteúdo é fruto de uma pesquisa publicada no blog BrHistória, da jornalista Cristiane Costa:

31/03/64 – CORREIO DA MANHÃ – (Do editorial, BASTA!): "O Brasil já sofreu demasiado com o governo atual. Agora, basta!"

1°/04/64 – CORREIO DA MANHÃ – (Do editorial, FORA!): "Só há uma coisa a dizer ao Sr. João Goulart: Saia!"

1º/04/64 – ESTADO DE SÃO PAULO – (SÃO PAULO REPETE 32) "Minas desta vez está conosco"… "dentro de poucas horas, essas forças não serão mais do que uma parcela mínima da incontável legião de brasileiros que anseiam por demonstrar definitivamente ao caudilho que a nação jamais se vergará às suas imposições."

02/04/64 – O GLOBO – "Fugiu Goulart e a democracia está sendo restaurada"… "atendendo aos anseios nacionais de paz, tranqüilidade e progresso… as Forças Armadas chamaram a si a tarefa de restaurar a Nação na integridade de seus direitos, livrando-a do amargo fim que lhe estava reservado pelos vermelhos que haviam envolvido o Executivo Federal".

02/04/64 – CORREIO DA MANHÃ – "Lacerda anuncia volta do país à democracia."

05/04/64 – O GLOBO – "A Revolução democrática antecedeu em um mês a revolução comunista".

05/04/64 – O ESTADO DE MINAS – "Feliz a nação que pode contar com corporações militares de tão altos índices cívicos". "Os militares não deverão ensarilhar suas armas antes que emudeçam as vozes da corrupção e da traição à pátria."

06/04/64 – JORNAL DO BRASIL – "PONTES DE MIRANDA diz que Forças Armadas violaram a Constituição para poder salvá-la!"

“Golpe? É crime só punível pela deposição pura e simples do Presidente. Atentar contra a Federação é crime de lesa-pátria. Aqui acusamos o Sr. João Goulart de crime de lesa-pátria. Jogou-nos na luta fratricida, desordem social e corrupção generalizada”.
(Jornal do Brasil, edição de 01 de abril de 1964.)

“Desde ontem se instalou no País a verdadeira legalidade … Legalidade que o caudilho não quis preservar, violando-a no que de mais fundamental ela tem: a disciplina e a hierarquia militares. A legalidade está conosco e não com o caudilho aliado dos comunistas”
(Editorial do Jornal do Brasil - Rio de Janeiro - 1º de Abril de 1964)

“Multidões em júbilo na Praça da Liberdade.
Ovacionados o governador do estado e chefes militares.
O ponto culminante das comemorações que ontem fizeram em Belo Horizonte, pela vitória do movimento pela paz e pela democracia foi, sem dúvida, a concentração popular defronte ao Palácio da Liberdade. Toda área localizada em frente à sede do governo mineiro foi totalmente tomada por enorme multidão, que ali acorreu para festejar o êxito da campanha deflagrada em Minas (…), formando uma das maiores massas humanas já vistas na cidade”

(O Estado de Minas - Belo Horizonte - 2 de abril de 1964)

“Salvos da comunização que celeremente se preparava, os brasileiros devem agradecer aos bravos militares que os protegeram de seus inimigos”
“Este não foi um movimento partidário. Dele participaram todos os setores conscientes da vida política brasileira, pois a ninguém escapava o significado das manobras presidenciais”

(O Globo - Rio de Janeiro - 2 de Abril de 1964)

“A população de Copacabana saiu às ruas, em verdadeiro carnaval, saudando as tropas do Exército. Chuvas de papéis picados caíam das janelas dos edifícios enquanto o povo dava vazão, nas ruas, ao seu contentamento”
(O Dia - Rio de Janeiro - 2 de Abril de 1964)

“Escorraçado, amordaçado e acovardado, deixou o poder como imperativo de legítima vontade popular o Sr João Belchior Marques Goulart, infame líder dos comuno-carreiristas-negocistas-sindicalistas. Um dos maiores gatunos que a história brasileira já registrou, o Sr João Goulart passa outra vez à história, agora também como um dos grandes covardes que ela já conheceu.”
(Tribuna da Imprensa - Rio de Janeiro - 2 de Abril de 1964)

“Ressurge a Democracia! Vive a Nação dias gloriosos. Porque souberam unir-se todos os patriotas, independentemente das vinculações políticas simpáticas ou opinião sobre problemas isolados, para salvar o que é de essencial: a democracia, a lei e a ordem.
Graças à decisão e ao heroísmo das Forças Armadas que, obedientes a seus chefes, demonstraram a falta de visão dos que tentavam destruir a hierarquia e a disciplina, o Brasil livrou-se do governo irresponsável, que insistia em arrastá-lo para rumos contrários à sua vocação e tradições.  Como dizíamos, no editorial de anteontem, a legalidade não poderia ter a garantia da subversão, a ancora dos agitadores, o anteparo da desordem. Em nome da legalidade não seria legítimo admitir o assassínio das instituições, como se vinha fazendo, diante da Nação horrorizada …”

(O Globo - Rio de Janeiro - 4 de Abril de 1964)



Um comentário:

  1. É isto, meu companheiro. Foi uma mentira nada engraçada e até hj a gente paga por mais esta traição das "gloriosas" forças armadas. Mas o importante é q estamos aqui para continuar esta luta inglória contra este regime q até hj guarda na essência os vestígios das ditaduras e golpes q nos foram impostos ao longo da nossa história.

    abraço do Pachecão

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