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segunda-feira, 29 de março de 2010
Saúde pública em Sergipe: mise-en-scène sem fim
É difícil, por vezes, levar a sério um deputado como o senhor Augusto Bezerra, ainda mais quando cospe para o alto, na tribuna da Assembleia Legislativa, tudo que é acusação contra o atual governo, de improbidades a negligências, na área da saúde, sendo que ele, como boa cria do DEM, fez parte e foi a liderança na AL do governo anterior, que deixou a saúde e outras áreas importantes do Estado em situação tão ou mais caótica que as encontradas no atual governo. O cuspe, então, acaba sempre lhe acertando a própria testa.
Ninguém esquece que na gestão do DEM foram fechados os poucos hospitais que havia no interior por falta de investimentos, obrigando os doentes a buscarem tratamento na capital, superlotando os seus hospitais; que foi entregue à população uma maternidade em Aracaju com a estrutura capenga e onde R$ 6 milhões sumiram pelo ralo; que o SAMU só foi ampliando para se fazer desfiles pelo Estado, com clara conotação politiqueira; e que o grande hospital de urgências, que leva o nome do líder mor do DEM, João Alves Filho, foi deixado num estado tão crítico quanto o que se encontra agora. Ou seja, em se tratando de saúde, o governo que saiu deve tanto à população quanto o que aí está.
Mas, vá lá, o senhor “Unificado” está no seu papel de oposição, está do lado de lá, agora com as pedras nas mãos. Quem for vidraça que se segure, que ande no prumo e que não faça por onde permitir que as pedras lhe sejam atiradas. É assim que funciona nessa sociedade bipolarizada – alguém vai estar sempre de um lado em oposição a outro. São as dicotomias da vida.
Entretanto, o que surpreende não são os arroubos oposicionistas do deputado Bezerra – cujo requerimento de intervenção do Hospital de Urgência de Sergipe (HUSE) nem o Ministério Público Estadual levou a sério, preferindo encaminhar à Anvisa, MPF e Ministério da Saúde pedido de fiscalização rigorosa. O que choca mesmo é a incapacidade e a inoperância deste atual governo na área da saúde, a ponto de não conseguir oferecer à população sergipana uma alternativa de assistência hospitalar melhor que a ‘terra arrasada’ deixada pela turma do DEM.
Aliás, diga-se de passagem, com o perfil do ex-secretário-deputado petista que tomou conta da pasta até dia desses, seria mesmo difícil oferecer uma alternativa progressista, popular e eficiente que superasse a política desastrosa do Governo João Alves nessa área. Ele, o ex-secretário e deputado, sempre deixou claro o setor que ele representa: o privado. O HUSE é público. Fosse privado, talvez ele se saísse melhor, ia estar no seu terreno.
Mas certo é que a saúde, como setor sensível da sociedade, assim como a educação, vai estar sempre na pauta da hora, a incomodar os calos de quem se propõe a ser gestor público. E o caso do autônomo Jairo Ferreira Lima, que penou na porta do HUSE até a morte, há cerca de quinze dias, e que tanto debate ainda suscitará na imprensa e nas rodas de discussão, não foi a primeira nem será a última morte por falta de atendimento hospitalar nesse sinistro teatro de horrores, nesse mise-en-scène sem fim, onde gestores fingem que realmente trabalham para solucionar os problemas da saúde pública e políticos que fazem da sua prática cotidiana pura encenação para atrair os holofotes fingem que atuam. E no meio desse joguete político ficam aqueles menos afortunados, que dependem dos serviços públicos de assistência médica.
Neste cenário, claro, não dá para ignorar o outro lado da moeda, o fato de que o esfacelamento do setor público de saúde faz aparecer um outro ator que se beneficia deveras com esse desmanche: os planos privados de saúde. É cada vez maior o número de famílias das classes B e C que não mais se utilizam do setor público de saúde por não confiarem nele, preferindo o comprometimento de parte da sua apertada renda familiar para bancar um plano de saúde privado que, diga-se de passagem, também não garante uma boa assistência na hora da necessidade – não por menos figuram, ao lado das empresas de telefonia, como os campeões de reclamações nos Procons de todo o país.
Em meio a esse cenário de esfacelamento dos serviços públicos prestados à população, vale aqui uma pergunta muito simples: por qual razão gestores e políticos não usam dos serviços públicos de saúde ou de educação?
A resposta é igualmente simples: não usam porque são ruins mesmo. Só servem para aqueles que não têm outra alternativa. É preciso que essas pessoas tenham a coragem de vir a público admitir isso, que seriam incapazes de usar um hospital público ou colocar um de seus filhos numa escola pública porque são serviços de péssima qualidade.
Divido um “Arrumadinho” tamanho família, lá na Confraria do Cajueiro, a quem me apontar um político ou gestor público que não tenha plano de saúde privado ou que os filhos estudem em alguma escola pública estadual ou municipal. Vou comer esse Arrumadinho sozinho...
O capricho do desafio posto está em mostrar que, no fundo da questão, reside o fato que ao establishment local não interessa tornar os hospitais ou escolas públicos modelos, e pela simples razão de que esse mesmo establishment local faz questão de não precisar de nenhum desses serviços públicos.
Creio eu, deve ser motivo de muito orgulho para a família Alves, por exemplo, ter um dos seus membros ilustres dando nome ao maior hospital público de Sergipe ou a uma grande escola da capital. Mas nunca soube que o ex-governador João Alves Filho ou seus parentes tenham se internado alguma vez no hospital que leva seu nome ou seus filhos e netos tenham estudado na escola também batizada de JAF.
Veja o exemplo do senhor Rogério Carvalho, ex-secretário da Saúde, que também mostrou que, para ele, serviço público de saúde é espaço para se fazer política, não para se resolver os problemas da plebe. Num dos acidentes graves que sofreu enquanto era gestor da pasta, não usou de um hospital público para se tratar, mas correu para ser socorrido no novo e privadíssimo Hospital Primavera, deixando um cheque-caução de R$ 50 mil, segundo dizem, para ser atendido. Por que não foi para o HUSE, onde ele diz ter feito uma revolução no atendimento?
Assim, fica claro que, se os senhores políticos e gestores públicos não usam das unidades de atendimento públicas, sejam hospitais ou escolas, é porque são ruins de fato, tem sérios problemas e porque as chances de morrer nesses hospitais ou de sair semi-analfabeto dessas escolas são grandes, em face da pouca qualidade que oferecem, pela pura falta de investimentos e de compromisso com o povo.
Fossem os senhores gestores, prefeitos, governadores ou parlamentares obrigados, por força de lei, a usarem exclusivamente dos serviços públicos de saúde e educação, das duas, uma: ou esses serviços seriam impecáveis, ou teríamos menos homens públicos de propósitos duvidosos preenchendo cargos eletivos e de gestão. Em qualquer das hipóteses, o povo estaria bem melhor.
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