domingo, 14 de março de 2010

Transporte coletivo de Aracaju: se o osso tá duro de roer, por que os empresários não o largam?

Pode observar, se um cachorro encontra um osso e o rói sem parar, é porque ele está pra lá de suculento... mas depois de tanto roer e se fartar, uma hora ele larga o osso porque já não lhe serve, e o deixa pra trás, talvez para que outro cachorro, com mandíbulas mais fortes e dentes mais afiados, possa triturá-lo e retirar dele o apetitoso tutano.

Usando a mesma lógica da natureza, gostaria de levantar uma questão: por que os empresários que dominam o transporte coletivo da Grande Aracaju reclamam, reclamam mas não largam o osso da concessão pública que lhes garante, há décadas, a exploração das linhas de transporte coletivo sem concorrência e sem qualquer poder de contestação por parte da sociedade? Se o osso tá roído demais, por que não o deixam pra trás?

Essa questão me vem à mente em função da piada que foi a coletiva de imprensa patrocinada pelo Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros de Aracaju – Setransp, na semana passada, num belo hotel da Orla de Atalaia, com o seu presidente, Adierson Monteiro, se esforçando para tentar minimizar a fama de vilão, sua e de seus pares, e explicar por que a qualidade do serviço prestado pelas empresas de ônibus aracajuanas é uma porcaria, mesmo com a tarifa subindo todos os anos muito acima da inflação.

Dupla piada, na verdade. A primeira, pela choradeira do presidente do Setransp, que reclamou disso, reclamou daquilo, jogou a culpa pela deficiência do transporte coletivo nas costas da sociedade e do poder público, no BNDES, no diesel que não baixa, no Congresso que não anda... Enfim, a mesma estratégia surrada de sempre dos sabidos empresários, seja de qual setor for: se a coisa vai bem, o crédito é deles; se vai mal, a culpa é do Estado, da população, dos políticos, do periquito, do papagaio, menos deles... Coisas do “capetalismo”.

A segunda piada, e essa me incomoda um bocado – porque se trata dos meus pares –, foi a infeliz subserviência dos colegas de imprensa que lá estiveram para cobrir o evento. Pelo que li na imprensa nos dias que se seguiram à coletiva dá para imaginar a cena, com o silêncio cortesão dos jornalistas e radialistas, sentadinhos em suas mesas, a ouvirem o pomposo discurso do “big boss” do empresariado do transporte coletivo, com seus slides, números e tabelas enfadonhas.

Vai ver, encantados com o café da manhã oferecido no belo hotel pelo empresário, os profissionais de imprensa presentes estavam ocupados demais beliscando os comes e se empapando com os bebes...

Porque não li uma única linha que questionasse o bom moço da Progresso por que do seu sindicato, ao pleitear aumento da tarifa de ônibus sempre muito acima da inflação do período, só apresenta a planilha de custos à Prefeitura, nunca a de LUCROS.

Não vi uma única reportagem que questionasse, por exemplo, qual a razão para, sendo empresário, o senhor Adierson ter medo da concorrência no setor em que ele atua, lembrando a ele que a lógica incorporada pelo empresariado em qualquer buraco do mundo e por aqueles que impunham a bandeira nefasta do neoliberalismo e a defendem até a morte, é a liberdade total dos mercados e a livre concorrência, e que na carnificina da disputa de mercado, que vença o melhor!

E aí, penso com os meus botões: por que é que essa lógica da livre concorrência vale para o Seu Zé da Bodega e não vale para os empresários de ônibus? Em lugar de fazer esse debate, o senhor Adierson vem com umas frases feitas por encomenda de que licitação “é um engodo”, e que “não será um papel que vai melhorar o setor”.

Com esse discurso, o bom moço acabou por assinar a sentença de incompetência do setor e reforça uma tese que defendo piamente: esta área estratégica para o desenvolvimento do município, a do transporte coletivo, deve mesmo é ficar sob a gerência do Estado, neste caso, a Prefeitura de Aracaju, que tem lá as suas deficiências de gestão, mas que poderia muito bem gerenciar o transporte público muito melhor que esses sabidos empresários, que só querem o lucro fácil, o capitalismo sem riscos.

Porque reclamar que o poder público não ajuda a melhorar o transporte coletivo, gerido pelo poder privado, é a saída mais fácil pra essa turma, é clichê, mas que mal pergunte: quem financiou 35 dos 100 ônibus novos que foram agregados à frota das empresas no início do ano? O Banco do ESTADO de Sergipe, o Banese. E sabe com que grana esses empresários vão pagar esse empréstimo e os demais empréstimos para aquisição dos outros 65 ônibus? Com o lucro da tarifa que os usuários dos coletivos pagam diariamente... Não sejamos bobos, do bolso deles que é bom, não sai um tostão! Quem paga essa conta, no final, é o povo, são os trabalhadores!

Além de capitalismo sem risco, ao dizer que não é um papel que vai melhorar o setor, é bom lembrar ao senhor Adierson que esse setor que ele fala é uma concessão pública, não é a casa da Mãe Joana, e precisa sim de concorrência, regras claras que sejam respeitadas e controle social, principalmente no tocante à discussão do valor da passagem. Por que o cidadão comum tem que respeitar diuturnamente as regras e as leis que lhes são impostas, mas o empresariado não?! As regras e leis devem funcionar para aqueles mas não para estes?

E por falar em leis a serem respeitadas, nenhum dos coleguinhas jornalistas questionou o presidente do Setransp a razão pela qual os empresários de ônibus da Grande Aracaju jamais respeitaram a Lei Municipal 1.765, de 1991, que obriga as suas empresas a depositarem, numa conta conjunta com a SMTT, o percentual de depreciação dos ônibus, já incluído na tarifa paga pela população, com o objetivo de renovar, quando preciso, a frota municipal.

Fazendo um cálculo por baixo, ao não depositaram um único centavo nesta conta, desrespeitando completamente a lei nas barbas do poder público, que também jamais cobrou tal cumprimento, as empresas de ônibus de Aracaju devem ao povo aracajuano um montante certamente superior a R$ 100 milhões! Porque o valente e corajoso ex-vereador da Capital, Antônio Góis, o Goisinho, então no PT, já apontava em 2004 que essa dívida das empresas para com o município beirava os R$ 70 milhões.

Então, em lugar do senhor Adierson afirmar que vai acionar a Prefeitura de Aracaju, portanto, o povo, na justiça para que os empresários de ônibus sejam ressarcidos por uma possível licitação que não lhes favoreça, como foi colocado na coletiva, defendo que o povo de Aracaju é quem deveria colocar esses senhores nas raias da justiça para que devolvam, com juros e correção monetária, o que desviaram nesses últimos 19 anos pelo não cumprimento da Lei 1.765/91, e os gestores públicos, que nada fizeram para impedir essa sangria, que igualmente sejam punidos por improbidade da grossa!

E fica aqui um recado ao empresariado de ônibus: se o osso tá duro de roer, é só largar! E aos colegas de imprensa, afiem tuas flechas! Porque, como escreveu sabiamente o mestre Cleomar Brandi, o bom jornalista “há que ir à luta, buscar a notícia, como o velho índio navajo vai à caça”.

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