Causa singular estranheza o espanto das pessoas e, mais ainda, dos nossos gestores ambientais a explosão de coliformes fecais em todo o litoral aracajuano, da Praia dos Artistas até a dos Náufragos. Quase 7.000 por 100ml, quando o tolerável é de espantosos 1.000 coliformes termotolerantes por 100ml. E o vilão disso tudo foi logo encontrado: as fortes chuvas que caíram nas semanas anteriores em toda a capital e circunvizinhanças. Coitado de São Pedro, pagou o pato!
Mas a verdade é que a culpa não é coisíssima nenhuma da chuva, que cai porque tem que cair mesmo, respeitando-se leis simples da natureza, que aprendemos nas primeiras lições de Ciências na escola: calor forte, alta evaporação da água, acúmulo desses vapores na atmosfera formando nuvens, até que o choque com uma massa de ar fria torna as partículas de água mais pesadas e elas caem em forma de chuva.
Não, definitivamente, não. Por mais pesadas que tenham sido essas chuvas, a culpa não pode ser associada a elas, mas àqueles que de fato são os responsáveis pelas toneladas de coliformes fecais que entulharam o mar de Aracaju: os homens.
É muito fácil culpar a natureza pelas mazelas e sujeiras que nós mesmos produzimos, diariamente. Quando a natureza responde com fúria, as pessoas se apressam em demonizá-la ou em ver os fenômenos resultantes como pragas divinas lançadas pelos deuses em função dos pecados acumulados da humanidade. Nunca é pelas razões mais simples: porque somos prepotentes, predatórios e negligentes com a natureza, além de passivos e coniventes com aqueles a quem deixamos nos governar.
Para onde as pessoas acham que toda a sua imundície diária e o lixo que produzem vão? Desaparecem com a descarga da privada depois higienizada com Pinho Sol, ou com os sacos de lixo levados pelos lixeiros ao fim do dia? Pense um pouco no quando produzimos diariamente de excremento e lixo humanos. E para onde vai toda essa porcaria?
Simples. Sem o devido tratamento, as toneladas e toneladas de esgoto e lixo que produzimos vão parar num rio próximo que, por sua vez, vai desembocar no mar. Mesmo o lixo que produzimos, ficando ele estocado num aterro sem tratamento, acaba chegando ao mar, graças ao chorume, que penetra no solo ou é levado pelas chuvas até o rio mais próximo.
A fossa encheu, está transbordando? Fácil. Chama-se o caminhão limpa-fossa. Mas alguém já se perguntou onde é despejado todo aquele material fétido levado pelo limpa-fossa?
Então, numa região como a Grande Aracaju, ocupada por 800 mil habitantes, onde não há aterro sanitário mas lixões, e onde não existe tratamento do esgoto doméstico e industrial, para onde as pessoas acham que as porcarias que produzem vão? Para o mar, essa é a grande verdade.
Deduz-se, então, que, sendo o homem capaz de produzir grande quantidade de lixo e excremento, a falta de investimentos e políticas públicas voltadas para o tratamento do lixo e do esgoto e para a mitigação da presença impactante, do ponto de vista socioambiental, de 800 mil pessoas numa área de 800 km² fazem com que tudo seja muito, mas muito pior. Cedo ou tarde, há que se pagar o preço. E ele é alto, como estamos vendo agora.
E isso vem com os séculos de industrialização e urbanização tocadas pelas gerações que sempre preferiram ignorar os enormes problemas que produziram para empurrá-los para as que vieram pela frente. E cá estamos nós, a repetir o mesmo erro.
Moradores antigos de Aracaju se lembram muito bem de uma tal Praia Formosa, que por ser tão limpa e bela, recebia esse nome. Pois bem, com os anos de ocupação desenfreada da região entre os bairros Centro, São José e 13 de Julho, com o aumento dos esgotos domésticos caindo nos canais, somado à poluição que vinha das fábricas do Bairro Industrial (que também tinha uma bela praia, até as indústrias fabris tomarem o local) correndo pelo Rio Sergipe, a Praia Formosa foi perdendo o seu encanto e também os seus frequentadores, até tornar-se um grande esgoto a céu aberto, obrigando até mesmo a mudança do nome da praia, que acabou chamada apenas pelo nome do bairro, 13 de Julho.
Espanta-me até hoje ver pessoas pescando e se banhando por ali, geralmente, pessoas humildes, desavisadas. Mas o que chama mais a atenção é a falta de sensibilidade das pessoas que moram por ali, que preferem manter-se presas ao alto padrão dos seus apartamentos classe A e encher a boca pra dizer que moram na 13 de julho, como se fosse título de nobreza, a encarar que, no fundo no fundo, são moradores de um esgotão a céu aberto, cujo mau cheiro da imundície que eles e seus vizinhos de bairro produzem, quando sobe pra valer, impossibilita uma apreciada melhor da paisagem da Ilha de Santa Luzia, ao longe, graças às línguas negras de esgoto que correm em meio ao mangue...
E não fosse esse super sobrevivente, o mangue, a paisagem seria ainda mais melancólica. Se bem que esse mangue da 13 de Julho é passível de estudos mais apurados por parte dos biólogos. Ou ele reagiu bem às “cacas e xixas” da nobreza mediana local misturada à plebe intrusa das vizinhanças, ou é mesmo uma grande aberração da natureza. Nunca vi mangue tão alto e viçoso em área tão poluída, para (a falsa) alegria dos adeptos do Cooper e das pedaladas naquele Calçadão.
E assim caminha a humanidade, com passos de formiga em sem vontade... já dizia Lulu Santos. Até quando vamos ficar como meros e passivos observadores dessa tragédia ecológica? Até quando vamos fingir que é normal não poder tomar banho na Orlinha do Bairro Industrial, na ex-Praia Formosa, hoje 13 de Julho, na Coroa do Meio e na Praia dos Artistas, estas poluídas desde ontem, agora e sempre? Vamos aceitar com passividade essa agressão até que todo o litoral aracajuano esteja impróprio para banho? Aonde levar nossos filhos, e depois os filhos dos nossos filhos para um dia na praia, sendo aracajuano? Para Alagoas ou Bahia?
Claro, o problema do esgoto doméstico sem tratamento é uma realidade nacional e de difícil solução a curto prazo. Bahia e Alagoas certamente têm problemas semelhantes. Mas, começando por fazer o dever de casa, é preciso que os cidadãos locais e os ministérios públicos – Estadual e Federal – se unam para exigir de nossos governos e órgãos ambientais, sempre ineficientes e morosos no quesito meio ambiente (a não ser que seja para a especulação imobiliária), que comecem desde já a trabalhar para mudar esse quadro deplorável. Colocar placas de aviso “Praia imprópria para banho” é muito fácil e cômodo.
O que se quer é celeridade no processo de instalação do aterro sanitário da Grande Aracaju e investimentos maciços no aumento da oferta de esgotamento sanitário (construindo onde não existe e substituindo os esgotos clandestinos), como também, e principalmente, no tratamento dos esgotos domésticos e industriais (exigindo das indústrias a limpeza ou reaproveitamento dos seus dejetos), entre outras iniciativas, porque senão, em breve, a Praia Formosa vai se estender até o final da Praia dos Náufragos, e aí, estaremos todos nadando na merda, literalmente.
Grande reportagem para o blog (em todos os sentidos). Sou do tempo em que os moleques tomavam banho tranquilo ao redor da Ponte do Imperador. Vá fazer isso hoje em dia... Parabéns pela abordagem.
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