terça-feira, 4 de maio de 2010

Torturadores, sorriam! O STF vos perdoa e vos afaga!


Os cães da ditadura verde e amarela, raivosos e com o gosto de sangue ainda em suas bocas saliventas de ódio, continuarão a rosnar, ameaçadoramente. Na penumbra, sorrateiros, continuarão a rosnar, prontos para dar um novo bote, na calada da noite, de surpresa, assim que a conjuntura lhes for novamente favorável. E instalarão, novamente, com a força de suas baionetas e pesados coturnos, seu Estado “democrático” sustentado pela prepotência dos seus canhões e a ameaça latente da tortura, estupro em série, assassinatos e ocultação de cadáveres dos que se opuserem a eles, para fazer valer a sua “militocracia” doentia, a sua ditadura do medo.

Sim, os cães da ditadura continuarão a rosnar, com os seus caninos afiados como adagas, ameaçadores, porque todos os crimes que cometeram no passado recente, durante quase 20 anos, foram anistiados e, hoje, sem possibilidade de qualquer revisionismo, graças à decisão do Supremo Tribunal Federal, que no último dia 29/04, por sete votos a dois, julgou improcedente a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 153, movida pela Ordem dos Advogados do Brasil, e que questionava se a Lei da Anistia se aplicava aos torturadores, por considerar que o crime de tortura não se inscreve entre os "crimes políticos e conexos" previstos naquele texto e, por conseqüência, não poderia  ficar impune.

Os sete ministros que votaram pela não procedência dessa ação varreram para o limbo da história todas as atrocidades cometidas durante o Estado de Exceção. Mais enfaticamente, enterraram de vez a possibilidade de a sociedade brasileira buscar a verdade, punindo aqueles que cometeram crimes em nome do Estado contra cidadãos contrários ao regime do AI5 e das máquinas torturadoras do DOI-Codi.

Estão safos, e agora, mais fortes que nunca. Estão agora sob o manto da impunidade. Inimigos ocultos, que sentam ali, sem dor na consciência ou qualquer remorso, ao lado da dona de casa no ônibus coletivo, da criança desavisada no banco da praça, da viúva na cadeira de espera do consultório, do sujeito que assiste anestesiado ao jogo de futebol; toma até umas cervejas com ele, e o futeboleiro não sabe, não sabe de nada, e nem saberá. Ninguém saberá.

Viva a impunidade! Uma ode aos que cultuam os crimes de tortura, estupro e assassinato político como crimes comuns e passíveis de prescrição! É o Brasil do pacto com a amnésia. E ainda há quem festeje o soterramento das horrendas verdades dos agentes públicos que serviram ao Estado, na Ditadura, não para defender os cidadãos, mas para massacrá-los à base de pau-de-arara, afogamentos e choques elétricos, quando não a morte, ante a menor suspeita de insatisfação ou enfrentamento à ditadura dos generais de cinco estrelas.

Não deixa de ser covarde a decisão da mais alta corte. Foram pelo caminho mais fácil, o de deixar as coisas como estão, para não mexer nas feridas – que jamais haverão de cicatrizar – e não se indispor com os militares de altas patentes, da ativa e da caserna, os mesmos que continuam a rosnar e ameaçar a todo momento o governo pela simples existência de um Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3), que institui a Comissão da Verdade e alguns dispositivos que não os agradam, tampouco a elite porca deste país, que se esforça em pregar na grande mídia que direitos humanos é coisa para bandidos, e não que seja condição sine qua non à superação da barbárie.

Surpreende, mais do que qualquer um dos seis outros votos pela improcedência da ADPF nº 153, o voto do relator, ministro Eros Graus. Ele, em pessoa, uma vítima dos porões e das torturas dos agentes do Regime Militar, enalteceu a importância da Lei de Anistia como marco político fundamental para a restituição da democracia no país. O que isso quer dizer? Em outras palavras, que o senhor Graus, ex-militante comunista, preso e torturado, para não aparecer como revanchista ou degustador do frio prato da vingança, preferiu sentenciar que a impunidade dos torturadores constitui a norma fundante da democracia brasileira; ou seja, que a democracia brasileira se funda sob as bases da injustiça, da impunidade e do esquecimento.

E ainda, afirmou não caber ao Poder Judiciário rever aquele “acordo político”, apoiado inclusive pela OAB, à época, e que, na transição do Regime Militar para a democracia, resultou na anistia de todos aqueles que cometeram crimes políticos no Brasil entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979. Depois disso, passou a batata quente para o Congresso Nacional, que não dá conta nem das suas tarefas básicas, quanto mais de rever a Lei da Anistia.

Confesso, não entendo até hoje as lágrimas do ministro Graus ao final do seu voto. Emoção ou vergonha?

E revendo o voto dos ministros, levanto alguns pontos obscuros. Quando falam em “anistia ampla, geral e irrestrita” e “acordo político feito à época, apoiado pela OAB, para favorecer todos os que cometeram crimes políticos no Brasil”, os senhores de toga acobertam algumas verdades e alimentam algumas inverdades.

Esqueceram, o senhor Graus e os demais ministros, de explicar, quando dizem que a Lei de Anistia tem caráter amplo, geral, irrestrito, que a mesma lei serviu apenas para atender aos interesses do Regime Militar e para proteger os torturadores, ou seja, apenas os “agentes da repressão”, pois o § 2º do art. 1º da Lei é bastante claro: “§ 2º - Excetuam-se dos benefícios da anistia os que foram condenados pela prática de crimes de terrorismo, assalto, seqüestro e atentado pessoal”. Ou seja, beneficiou apenas um lado da luta, o lado dos agentes do Estado. Então, a lei nunca teve caráter amplo, geral, irrestrito.

Quando falam que até a OAB apoiou a Lei, esquecem de dizer que a Ordem apoiava entusiasticamente os golpistas e que muitos de seus dirigentes se beneficiaram com isso, tendo alguns dos seus conselheiros chegado a ocupar postos como ministros do Supremo Tribunal Federal e na Procuradoria Geral da República, graças a esse apoio. Também esquecem de dizer que o Congresso, à época, era inteiramente subserviente ao regime. Portanto, a Lei da Anistia é completamente viciada em sua origem.

E quando ressaltam a Lei da Anistia como o acordo possível para se alcançar a democracia, esquecem de citar os tratados internacionais de direitos humanos que enfatizam a impossibilidade legal de qualquer Estado autoritário se autoanistiar.

É com se estivéssemos na Segunda Guerra Mundial e, antes que o conflito tomasse o rumo do fim, antes que o Exército Vermelho tomasse de vez Berlim, o alto comando hitlerista propusesse um acordo aos aliados, para evitar muito mais mortes que as milhões já sacramentadas. O Führer e todo o seu III Reich se renderiam, desde que um acordo fosse firmado, uma lei de anistia ampla, geral e irrestrita fosse assinada. 


Aceita pelos aliados, partiriam, então, em paz, Adolf Hitler e todo o seu séquito de bestas sanguinárias para curtir as férias pós-guerra nos Alpes ou na Baviera e, tempos depois, iriam tocar a vida, numa boa, em casa. Com o acordo, todos os crimes deflagrados nos campos de concentração nazistas seriam esquecidos para sempre... simples assim. E os seis milhões de judeus mortos ali seriam apenas vagas citações em arquivos trancados e inacessíveis aos civis.

Caindo na real, o STF perdeu o bonde da história, deperdiçou a oportunidade de passar os sombrios Anos de Chumbo a limpo, para lamento e sofrimento maior das famílias dos desaparecidos políticos e das vítimas das atrocidades cometidas nas masmorras da Ditadura. E, graças aos sete ilustres ministros do STF, o Brasil está prestes a entrar numa fria, já que tem processo pendente na Corte Interamericana de Justiça devido aos casos de tortura durante o Estado de Exceção, e, muito provavelmente o país vai ser julgado culpado por não ter condições de responder aos tratados internacionais contra a tortura. Isso, sem dúvida, pulveriza as aspirações brasileiras de participar do Conselho de Segurança da ONU.

Para além disso, a decisão do STF, contrária à revisão da Lei da Anistia, alimenta de vigorosa vitamina a matilha de cães ferozes até então adormecida na caserna. E esses cães continuarão a rosnar. Porque agora, cristaliza-se a certeza da impunidade para crimes cometidos em nome de um regime ditatorial. Os facínoras estão rindo à toa.

É por essa razão que há que se temer pelo futuro. Sim, há que se temer. Pois quem soterra sob o manto do esquecimento o seu passado, tende, inevitavelmente, a repeti-lo; quem apaga ou ignora a história, corre o sério risco de ter de vivenciá-la novamente. É questão de tempo, e com o tempo não se brinca. 



2 comentários:

  1. Olá

    Ótimo texto!!! Parabéns!

    bjs

    Katia Simone Azevedo
    Fórum DCA

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  2. Amigo(a)s, eu devia ficar calado e não reclamar mais de nada. Infeliz ou felizmente, a indignação não se acomoda dentro de mim. Acabo de assistir a duas péssimas notícias no JN. A primeira inocentou o bando q comandou o processo de privatização da telefonia, leia-se Luiz Carlos Mendonça de Barros e outros. O juiz declarou na sentença q não houve prejuízos ao país e q anular o processo a esta altura traria muitos prejuízos ao público. A segunda desconsiderou o pedido da OAB de identificar e punir os carrascos que torturaram, estupraram, roubaram, aleijaram física e psicologicamente a tantos brasileiros q abandonaram suas vidas em nome de não entregar o país a um bando de marginais que trouxeram tantos danos, q não param de gerar consequências nefastas ao país. Confesso a vcs q meu humor e meu astral despencaram hj. Só estas duas ações traduzem perdas incalculáveis em dinheiro, além de perdas e danos morais, psicológicos que jamais poderão ser medidos. E o STF rejeitou o pedido da OAB por sete votos a dois. A maioria dos ministros declarou q não se faz uma transição de regime sem concessões. Então por q não se concede o direito à terra dos índios, q foram arrasados desde 1500? Por q não se concede a "maldita" Reforma Agrária ao povo? Por que o STF não manda prender o Daniel Dantas? Talvez seja porque o STF, que segundo o próprio Dantas declara q "come na sua mão", não deseja desestabilizar o país politicamente. Eles sabem q se Daniel Dantas for preso ou em caso extremo condenado pela justiça, ele abre a boca e fala ao mundo todos os nomes q ele mantém sob suas ordens marginais. Acho q para uma quinta-feira a medida do meu desabafo basta. Aliás, acho q eu devia estar agora, de pijamas, brincando c os netos q concretamente ainda não tenho, assistindo à novela da Globo e dizendo q sou feliz como faz a maioria mentirosa, cínica, oportunista e conivente c tudo de ruim q acontece na sociedade. Sabem o vou fazer agora? Vou até ali no meu bar e comemorar mais uma derrota daquelas q já estou calejado nestes 56 anos. Eu digo a vcs q, em teoria, segundo a maioria, eu não teria do q reclamar. Estou aposentado. Ganho um salário razoável. Tenho filhos e mulher maravilhosos. No entanto, viver num país como o nosso me enoja, me decepciona e me deprime. Obrigado por mais esta sessão de análise coletiva proporcionada por me ouvirem. Sejamos todos, ainda assim, muito felizes. Eles querem a felicidade só p eles. Contudo a gente tb merece e continuaremos a lutar por isto.

    Abraço fraterno do Nelson Pacheco

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